A importância de sermos Heroínas Negras
Raena Lamont (3) fantasiada de Capitã América em Nova Iorque (2012). (via Superheroes are for girls, too!) |
#AnimatedBlackGirls sparks movement for cartoon diversity http://t.co/Q8ZcYkaMVH pic.twitter.com/I0f3gJIn9S— Vocativ (@vocativ) 15 julho 2015
"se todas as crianças vêem crianças brancas como centro das histórias, que tipo de mensagem está sendo transmitida a elas?"
Qual a sua personagem Negra animada (cartoon e videogames) favorita?
Acredito que a pergunta-chave sobre Representação é "Quem você quer ser?". Essa resposta é sempre permeada de valores sociais, físicos e psicológicos que uma criança (e mesmo quando crescemos) reconhece como positivos. Aliás, eu não diria "positivos", mas proporcionais à dialética eu-mundo (o que dizem ser bom/legal e o que queremos/acreditamos/somos) e com as possibilidades oferecidas.Essas possibilidades são as personagens que aparecem nos jogos, nos desenhos animados e em qualquer outro produto da Cultura de Massa. Primeiro analisamos se há personagens que fogem ao padrão, mas não é suficiente ter negras/os, gorda/o, cigana/o se a forma como essa/e personagem aparece faz você ter raiva. Um clássico exemplo de representação do que crianças normalmente não querem ser é o indígena no desenho Capitão Planeta: ele está associado ao amor (simbolizado pelo coração).
Num contexto de luta por "ideais" de justiça, as demais raças se mostram ativas no embate ao fazerem uso de elementos naturais: terra, fogo, água, vento... e o índio é a passividade do amor. Óbvio que esse "não querer ser", vem dum ódio aos valores que são associado ao feminino e às mulheres, mas é impossível separar opressões, elas são como tramas. Podemos enumerar uma série de outras animações que trazem essa mensagem sutil sobre o que é bom ser ou não e, na maioria das vezes, meninas Negras não têm com quem se identificar... ainda mais se são pobres & gordas & LGBTQ. Funciona assim:
É curioso que, no início do filme, há diversidade de gênero e de raça (este por considerarmos que o padrão brasileiro é basicamente definido por cor). Essa sequência tem tanto a camada literal que é, as 1) pessoas não-brancas adentrarem uma sala inteligentemente mortífera quanto a metafórica 2) normatização que, como lasers, podem mutilar. O interessante dessa passagem é que o primeiro a morrer é mais próximo à norma e apenas uma faixa o atinge; o homem preto resiste tanto que apenas a rede múltipla (simboliza a interseção) incide mortalmente. Alguma criança quer ser esse personagem? Por mais angustiante que seja para a protagonista assistir impotente a morte de sua equipe, ela está viva, ela que tem uma história pra contar.
Normalmente, nas narrativas com múltiplos protagonistas, se a personagem é mulher, ou ela é caucasiana/branca ou amarela/asiática. Negritude, gênero, sexualidade, idade, corporalidade e classe raramente convergem e sabemos o porquê.
Ser forte
Pessoas sempre fogem aos padrões estabelecidos em algum grau e as crianças têm plena noção disso. Além de já terem coordenadas sobre sua identidade e sobre como as pessoas tratam seus "desvios," interesses e escolhas, as crianças estão numa posição de vulnerabilidade (por serem pequenas, dependentes e recém-introduzidas às lógicas do mundo) de modo que precisam sentir que são fortes.Elas precisam sentir de alguma maneira, e as narrativas são essenciais tanto para sublimar como como para formar o padrão do que desejam ser. No livro "Brincando de Matar Monstros" [1] temos uma lista exaustiva de depoimento de crianças e adolescentes sobre a relação que têm com a violência ficcional. Surpreendentemente elas/eles têm plena consciência de suas emoções reprimidas e da necessidade de descobrir seu poder pessoal. (JONES, 2003, p.6). Uma criança disse ao autor:
Quando estou lendo
sobre eles,
eu sou eles, certo?
Então...
eu me sinto
poderosa
(in JONES, 2003, p.6)
Quando criança, algumas perguntas invadiam minha diversão-Disney: por que o mal costuma ter cabelo preto e pele escura? Por que não um filme sobre o Tio Scar ou o mago Jafar? O mal é mau mesmo? Embora eu não tivesse respostas, era importante escolher uma heroína pra ser e representar o que eu achava que deveria atingir: ser forte, agir em grupo, construir laços reais, me divertir e ser feliz.
Quando conheci o Tumblr sobre crianças fantasiadas de heroínas, fiquei surpresa com a fusão que elas faziam; meio-hulk/meio princesa, um personagem masculino numa versão feminina e uma série de outras mudanças que eram impensáveis na minha infância. O gênero era uma barreira (naturalizada inclusive) para a escolha performativa assim como a raça/cor. Todas essas reflexões vieram a tona há uns dias atrás numa espécie de brincadeira no twitter.
Negras em animações
A hashtag #animatedblackgirls cavou na memória de muita gente que usa Twitter aquelas poucas personagens Negras que existiram na infância dos anos 1990/2000 e que gostaríamos de ser. Escrevi, no início desse ano, um texto chamado Sobre equiparar ao que não existe que, dentre outros pontos, passa pela infância Preta & nerd num mundo que gerava ansiedade sempre que eu ia buscar uma personagem Negra para me identificar, representar e querer ser. Pra mim, não estar nos jogos, nos filmes, nos desenhos e tudo o mais que fazia parte da minha diversão era um constante apagamento da existência real:Ainda naquela fase, adorava desenhos animados, seriados de vampiros e videogame. Mesmo sem saber elaborar exatamente a percepção dos padrões, eu sabia que, naquele universo, ou eu morreria primeiro, ou eu não existia mesmo, afinal, eu não era (e nem queria ser) um menino; não tinha (nem tenho) cabelos lisos e longos; não era (nem sou) uma anciã; por fim, eu não me identificava com aquele aspecto da África generalizante e paradisíaca que perpassava as duas únicas heroínas Negras que, àquela época, povoavam meu universo interno: Tempestade (X-Men) e Diana (Caverna do Dragão). Uma vez que não encarnavam e não ofereciam soluções diegéticas (dentro da história) para as minhas questões e as outras eram o que não sou, mais uma vez, eu era a incógnita inexistente.
Eu observava que os meus primos, todos eles negros, conseguiam se identificar com qualquer personagem e que não parecia haver problema nisso. Eles não precisavam ser homens negros, mas eu precisava ser uma mulher E sou Negra. Assim, mais do que desigual, eu pertencia a uma categoria do que não se fala, do que não tem nome. Eu era ___________?
QUIANGALA, Anne Caroline. Sobre equiparar ao que não existe.
Catarse
As narrativas nas mídias de massa e nos jogos de RPG sempre foram meus centros de interesse desde a infância, porém, as respostas sobre como e por que só foram elaboradas nos primeiros meses da graduação. Minha orientadora de Iniciação Científica sugeriu que eu lesse e fichasse o (já citado) Brincando de matar monstros. Compartilho com vocês uma passagem que explica bastante uma infância fantástica:Assistir televisão e brincar fazem parte de um mesmo processo: " a catarse exige que as emoções sejam estimuladas, antes de serem liberadas. O simples fato de assistir a um filme geralmente não provoca a liberação de tensão ou de raiva, mas, diversas vezes, eu vi crianças extremamente animadas após assistirem a um episódio de Pokémon, a ponto de pular do sofá e repetir as cenas fisicamente, até ficarem cansadas e relaxadas
(JONES, 2003, p.44)
Pois é, crianças precisam imaginar, brincar, representar e se sentir que existem em todas as potencialidades. Precisam sentir força e emoções que nem sempre a vida cotidiana lhes oferece. Essa absorção do que falta nelas possibilita expressar e aprender valores nobres e de autoconfiança. É gratificante ver mudanças tão drásticas em termos de possibilidades narrativas para meninas Negras. Hoje em dia elas sabem (e não apenas por si mesmas e suas famílias) que podem ser o que elas quiserem, não apenas Diana ou Tempestade:
#animatedblackgirls CLAWDEEN WOLF (Monster High) pic.twitter.com/uVxAHUcstc
— Anne Carol Quiangala (@carolquiangala) 14 julho 2015
Nefer-Tina (Mummies Alive) #animatedblackgirls pic.twitter.com/bIIxt5skMC— Anne Carol Quiangala (@carolquiangala) 14 julho 2015
#animatedblackgirls Diana (Dungeons & Dragons) pic.twitter.com/cdEgCIEioU— Anne Carol Quiangala (@carolquiangala) 14 julho 2015
#animatedblackgirls - Joslin Reyes (Tomb Raider - 2013) pic.twitter.com/IY5QOsognW— Anne Carol Quiangala (@carolquiangala) 14 julho 2015
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