GUEST POST: Improdutividade e outras doenças
Essa pode ser uma temática comum dentro das conversas sobre "crises existenciais". Portanto, é importante pensar que esse texto não pretende te levar a revisitar todas as suas questões emocionais mal resolvidas. Uma grande amiga minha me diz que nós só podemos oferecer ajuda a quem nos solicita e a nossa ajuda só terá resultado se aquilo que fizermos for mais criativo, empoderador e libertador que os males do presente.
Eu cresci rodeada de livros, de música e de pessoas que estavam, constantemente, ministrando todo e qualquer tipo de aula ou cuidando de crianças. Isso me fez crescer entendendo que: 1. Estudar é a coisa mais importante no nosso país; 2. Músicas e danças são apenas para diversão, mesmo que, internamente, soubéssemos que são para curar os nossos males; 3. A família é o nosso começo e fim; 4. O trabalho deve ser honrado e, dentro do nosso sistema, não ser concursada é estar em uma margem de risco contínuo; 5. Pedir ajuda é demonstrar que você não foi capaz de provar que conseguia cuidar de si mesma.
Ao suportar a carga emocional e social de ser a filha mais velha entre 5 filhos/as, de ser a garota prodígio nos primeiros anos escolares, de ser a problemática e estressada na adolescência e de ser a jovem que é a exceção dentro da regra de exclusão social, a mente volta aos primeiros momentos e constrói algumas perguntas: Será que eu vou conseguir ser quem meus pais projetaram? Será que eu sou a parceira ideal para esse tipo de pessoa? Como alinhar as minhas expectativas acadêmicas com a minha vivência?
Ao final, essas perguntas se transformam em um grande tema existencial: Será que eu vou conseguir ser o combo do que esperam de mim e do que eu quero para mim Infelizmente, as respostas para todas essas perguntas não chegaram e, provavelmente, não chegarão. Mas as perguntas não somem.
O corpo começa a imprimir a nossa insatisfação. Se a pessoa almejar uma reforma social, a situação se agrava. Pois ela não quer pensar apenas nela; ela acredita que sozinha ela não chega a lugar algum - mesmo que receber ajuda não seja o seu forte. O que ela não quer é ficar sozinha.
Assim, deitada na cama, a cabeça gira. O sono chega e a rotina faz pensar que, para o outro dia, tudo está controlado: Vou acordar, vou fazer xixi, vou beber água, vou pensar na roupa que vou vestir, enquanto tomo banho. No banho, eu escovarei os meus dentes e, se for o caso, me depilo. Para economizar água, vou lavar a calcinha. Organizo tudo. Faço a maquiagem, enquanto como, mas tem que ser rápido para não ter atrasos, sem esquecer de pegar a marmita.
Ao amanhecer, o relógio tocou e, sem explicação, meu corpo e minha mente não foram acionados. Nesse momento, ativo um sinal de alerta: O que pode estar acontecendo com essa jovem inteligente, extremamente ligada à família, descolada, bem relacionada e independente?
Novamente, sem resposta, o corpo tenta seguir a rotina. Mas, agora, ele decidiu que não quer. Para ele, a mente se manteve no poço da ansiedade e ele não quer levantar até que a mente se resolva sozinha. Diariamente, muitas/os de nós passamos por isso sem dar atenção. Primeiramente, homens e mulheres negras nasceram destinados a lutar contra a inércia. Historicamente, não tivemos a opção de escolher entre observar o mundo girar ou fazê-lo girar. Observar o mundo girar inclui "fazer" arte, culinária, etc.
Há anos estamos em um ciclo profundo que terminou nos trazendo três das piores doenças do planeta: A depressão, o câncer e a violência. Negamos a nossa possibilidade de sermos violentos/as e não reconhecemos que possuímos um sistema corporal e mental que requer cuidados. Atropelamos a nossa própria existência em nome de muito pouco, nivelando a realidade com uma verdade que nós nunca conhecemos.
Às vezes, precisamos de ajuda, mas não aceitamos. Outras vezes, a ajuda chega, mas não é o que precisamos. Existir, definitivamente, precisa ser mais do que o orgulho, a expectativa, "as tretas x os deboísmos", o interesse e as cobranças. Existir, certamente, é uma viagem e, como toda viagem, precisamos relaxar e acreditar que, não importa o que aconteça, sair das nossas caixinhas é mais importante do que adoecer nelas.
*Thânisia Marcella é uma pessoa que está esperando, ansiosamente, a chegada do segundo sol.
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