[#LoveForLeslieJones] Contra o Racismo e a Ignorância intencional
Sob a pretensa ideia de democracia, o @twitter se absteve ante o racismo de seus usuários que direcionaram todo o ódio e contravenção à atriz Negra estadunidense Leslie Jones, uma das protagonistas do remake de Caça-Fantasmas (2016), mas estamos aqui por ela. Estamos aqui para discutir a questão tendo em vista que não é um problema dela e não tem nada a ver com o filme em si. Os ataques nada mais são que o reflexo da violência estruturadora do ocidente que tensiona a vida cotidiana de todas as pessoas negras. Em relação à opressão não existe neutralidade, abster-se é ser a pá que joga sal em ferida aberta.
Por outro lado, quem sente o peso dessas tradições nas relações sociais diárias, sabe quão assustador é viver sob o signo da ameaça física, moral e virtual. Imagens diárias nas páginas policiais dum fruto estranho bem como os símbolos de grupos que fomentam o ódio estão à volta diariamente para aterrorizar, porque barulho e fogo são violências visíveis demais e, portanto, encarnam uma oposição explícita. Digo isso para evidenciar que o oposto deste suposto "direito" à livre expressão do ódio é o terror, o medo duma violência em potencial. Você sabe o que é ter medo todos os dias? Quão pior é o medo da injustiça se concretizar e ser ignorado por um lavar de mãos?
TWITTER: ignorância conveniente
A série de tweets que Leslie Jones foi compartilhando mostra que foi alvo dum ataque que remonta os cenários de linchamento sofridos pela população negra dos E.U.A legalmente até a conquista de direitos civis. O mais traumático em tudo que foi direcionado à Jones é a presença de violências presentes desde a colonização, as imagens e insultos cercam um indivíduo no intuito de reforçar uma relação de poder que não foi criada por nós, portanto rasgam as nossas costas.
Foi assim que os tweets de denúncia e chamada para ação da @theblerdgurl me avisaram da violência dirigida à Leslie Jones. Foram esses pensamentos e sentimentos que vieram à tona.
Para quem não faz ideia do que é temer, expressões de ódio são opiniões inofensivas. E, para nós que tememos, uma coisa é real: escolher o lado do agressor é endossar a agressão. Reconhecer o erro é o primeiro passo para uma mudança efetiva, legal, mas os danos não mudam de estado, não é mesmo?
Leslie Jones em entrevista (Foto: Reprodução/Youtube/Late Night with Seth Meyers) |
Racismo e ataque à individualidade
Nada do que Leslie Jones passou foi sobre ela ou sua atuação num filme, mas apenas por ser Negra e estar presente num lugar que indivíduos privilegiados acreditam não ser o dela. Os haters trazem ao presente relações sociais e econômicas de violência inaugurada por seus ancestrais que instauraram a escravidão e que depois dela, <<<institucionalizaram>>> a desumanização, o abuso, a violência física e a humilhação.
Estamos aqui por todas, e por ela em especial, devido aos ataques explícitos que sofreu através do Twitter. Mais de dez mil tweets com um conteúdo explicitamente racista (insultos, montagens audiovisuais) foram direcionados à ela e, após retweets e denúncias o @twitter optou por manter a neutralidade e sua política de liberdade de expressão em detrimento do bem-estar dela. Essa (suposta) neutralidade da empresa, como qualquer "deixa ser, deixa estar o mundo segue o seu próprio rumo" é um posicionamento de manutenção da hegemonia. Isso ficou mais evidente quando o @twitter reconheceu que faz parte da democracia permitir que as pessoas se protejam ante abusos de qualquer natureza. Percebam que essa atitude só foi tomada depois que a atriz comunicou que abandonaria a rede social. Eu vi algumas pessoas comentando que, fosse uma atriz branca, possivelmente seria criada uma hashtag com emojis etc. Fato.
"O que me assustou foi a injustiça que é um bando de pessoas te atacando por uma causa doentia. (…) Eles realmente acreditam nisso, e é tão cruel, tão horrível e desnecessário. Se eu não tivesse exposto isso, ninguém ficaria sabendo". (Leslie Jones via Famosos)
Cientes de que era necessário transmitir mensagens de apoio e afeto à Leslie Jones acompanhadas pela hashtag #LoveForLesliej, internautas buscaram combater os opressores e fortalecer Jones. Essa hashtag mostra o quão conscientes estamos de que não podemos nos calar ante às injustiças. Assim como os cavaleiros de branco, esses intolerantes só querem nos calar. Para azar deles temos duas referências: Bessie Smith e Audre Lorde.
Bessie Smith foi uma das primeiras cantoras de blues e, em seu filme Bessie (2015), dirigido por Dee Rees (mesma diretora de Pariah, 2011), temos um trecho emblemático. Num dos seus shows a tenda sofreu ataque dos cavaleiros de branco; eles cercavam o lugar, faziam barulhos terríveis e, por fim, incendiavam. Bessie desceu do palco, encarou e afugentou os agressores. Autoconfiante e ciente de que:
Fomos socializados para respeitar mais ao mero que as nossas próprias necessidades de linguagem e definição [...](Audre Lorde).
Não estamos à salvo neste burning hell. Não adianta não responder, não lutar, não dizer, porque o silêncio não nos protege. Nesse sentido foi importantíssimo que Jones tenha denunciado e retweetado os absurdos, além de expressar seus sentimentos. Também é animador que q audiência tenha se engajado a ponto de fazer a rede social reconhecer sua abstenção.
Bessie (2015) |
E por que não "À prova de balas"?
Denunciar, resistir e permanecer logada é admirável, mas isso não quer dizer que alguém é obrigada a permanecer nessa situação toxica. As pessoas que acompanharam - na "melhor de suas intenções" - deveriam ter ideia do quão doloroso é ser alvo e que mensagens de "deixa disso" e " seja superior" " porque eles não têm jeito NÃO AJUDAM. Galera, a culpa dela ser vitimada NÃO É DELA. Ninguém é obrigada a aguentar, aceitar e vivenciar aquele absurdo doentio. Rever privilégio também é compreender que pessoas sofrem e não precisam de sermões sobre superação e sobre "você é mais do que isso". Não foi sobre inveja, foi sobre racismo, sobre ódio. Repito: isso é aterrador.
Leslie Jones trabalhou num filme, foi violentada e muita gente ainda encheu seu feed de comentários sobre "não ligue para isso" ou "eles não sabem o que fazem". Duas coisas: não existe não ligar e sim, eles sabem muito bem o que fazem. Muitos comentários pareciam desejar que Leslie Jones fosse Luke Cage, que ignorasse os projéteis, devido à pele impenetrável. Falem para agressores não agredirem, em vez de exigir que vítimas não sintam! Estou reafirmando esse ponto porque é necessário que todas as pessoas "bem-intencionadas" revejam sua atitude em situações de impotência. Quando alguém sente uma dor não-concreta e não podemos fazer nada, é comum tentarmos fazer a pessoa se sentir bem, mas não podemos dizer o que a pessoa deve sentir menos ainda como. É simplesmente absurdo. Apenas parem.
Don't let the trolls get to you @Lesdoggg You're on billboards. Are they? They literally have to look up to you. pic.twitter.com/EAsaI8zZFT
— J.A. Adande (@jadande) 22 de julho de 2016
É importante enfatizar que nenhuma de nós é à prova de balas e que a realidade é que a maioria dos agressores tem acesso livre a qualquer espaço. Exatamente a impunidade faz as vítimas se verem obrigadas a sair do espaço tóxico. Foi triste pensar que Leslie Jones estaria fora do Twitter? Sem dúvidas, mas faz sentido essa exposição? É sobre ela ou sobre o desejo de poder segui-la?
Racismo e Demanda
Não precisamos dissertar sobre como o liberalismo escamoteado por discursos de "liberdade de expressão" se repetem para justificar sexismo, homofobia e racismo. E que através duma individualização busca-se ocultar problemas estruturais tais como fato de "o racismo ser o coração do ocidente", o que não podemos deixar de lembrar diariamente. Essa semana, posts e tweets incríveis foram escritos sobre o problema que levou Leslie Jones a sair da rede social (Judão, Collant, MinasNerds), mas quero enfatizar o quanto foi importante a divulgação da hashtag #LoveForLeslieJ contra a maré de ódio. As lutas que travamos nos definem.
Cientes de que o racismo vende, e muito, se apontado por brancos, enxergamos a abstenção inicial do twitter como racismo. #LoveForLeslieJ, pelo visto, não parecia ter potencial lucrativo, tanto que não virou moda de roupa e cabelo, não teve camiseta. Não teve produto aparentemente antirracista, mas que soterra o ato racista. Diferente dum #somostodosmacacos, que mostrou que o racismo foi direcionado a um individuo, mas faz parte duma estrutura sócio-política, #LoveForLeslieJ buscou enfatizar que a atriz não estava sozinha, que é admirada e amada por muito mais gente que insiste em odiar a ela e ao seu povo.
Ao dizer que o racismo apontado por brancos vende, retomo a campanha da Nike contra o racismo no futebol, que encheu os braços dos garotos de pulseiras de borracha enlaçada preta e branca. Estético, politico e, portanto, recheado de valor simbólico/monetário. A mais recente #somostodosmacacos foi um desserviço que se estendeu a camisetas e toda sorte de produtos imprimidos numa rapidez absurda. Neymar Jr. Não apenas ficou no olho do furacão, passando vergonha, como contribuiu para a legitimação dum discurso absurdamente racista porque a consciência objetiva apenas tangenciou a consciência apos incidentes na Europa. Mas isso é outra história.
Amostras do cotidiano (everyday racism) dão sustentação ao pensionamento da teia que atingiu Leslie J, os eventos violentos direcionados à atriz por ser Negra. Nessa onda de democracia que dá plenos direitos numa sociedade desigual, apenas a demanda maciça pode modificar. Muita gente pode insistir na ideia de que não adianta enfrentar, mas não fossem os enfrentamentos, não estaríamos aqui para escrever esse texto.
Foi lindo ver o twitter recheado de mensagens afetuosas direcionadas à Leslie e, mais ainda, a empresa ter admitido seu erro. Com isso, Leslie Jones retornou com força total:
— Leslie Jones (@Lesdoggg) 21 de julho de 2016
Logo que Leslie postou que retornou fortalecida, pronta para batalha, eu vi o tocante tweet de @violadavis. Foi ele que motivou a escrita deste texto: Estou ao seu lado, irmã. Eu te vejo tão bela, talentosa e poderosa (trad. livre)
A sensação foi a mesma de quando ouvi pela primeira vez Nina Simone entoar "jovem, talentosa e negra". Ambos os textos dialogam com o que Grada Kilomba propõe sobre descolonização do self, sobre nos curar. Consciência negra passa pela compreensão da violência sofrida coletivamente tendo em vista a continuidade. Você tem noção de um roubo, uma dor, uma impotência que esmorece, esmorece até que veja a construída sobre terrenos pedregosos, arenosos e pantanosos demais para você não ter aprendido antes. Contra esse esmorecimento, #LoveForLeslieJ foi de uma importância imensurável. Sem dúvidas, diversas garotas e mulheres Negras se viram representadas nessa onda de tweets para Leslie, sobretudo no ponto de vista da sororidade.
Alguns contextos são tão violentos e tão ininterruptos que desarmam o ego e desmontam a psique, destroem a vida. Que vão de graça pros presídios, param debaixo do plástico, vão de graça pro subemprego, pros hospitais psiquiátricos: a carne mais barata do mercado é a carne negra. Nesse sentido, sabemos muito bem o quão importante foi a hashtag demonstrando que "atingiu uma, atingiu todas" e que "estamos juntas". Porque somos um corpo mesmo, estamos realmente juntas enfrentando as camadas de Jim Crow,
Somos jovens, talentosas e Negras, temos que repetir isso até que seja uma verdade incorruptível em todas as camadas do nosso ser. Assim, mas memorias plantadas não poderão dar frutos que planejam seus cultivadores. Não que isso desfoque os problemas que apontei acima, do mercado, do liberalismo, do racismo. Precisamos reforçar que 1) ok, temos resistido há anos 2)racismo é um problema branco que 3) a população negra enfrenta todo dia só de estarem vivas.
Ao dizer que o racismo apontado por brancos vende, retomo a campanha da Nike contra o racismo no futebol, que encheu os braços dos garotos de pulseiras de borracha enlaçada preta e branca. Estético, politico e, portanto, recheado de valor simbólico/monetário. A mais recente #somostodosmacacos foi um desserviço que se estendeu a camisetas e toda sorte de produtos imprimidos numa rapidez absurda. Neymar Jr. Não apenas ficou no olho do furacão, passando vergonha, como contribuiu para a legitimação dum discurso absurdamente racista porque a consciência objetiva apenas tangenciou a consciência apos incidentes na Europa. Mas isso é outra história.
Amostras do cotidiano (everyday racism) dão sustentação ao pensionamento da teia que atingiu Leslie J, os eventos violentos direcionados à atriz por ser Negra. Nessa onda de democracia que dá plenos direitos numa sociedade desigual, apenas a demanda maciça pode modificar. Muita gente pode insistir na ideia de que não adianta enfrentar, mas não fossem os enfrentamentos, não estaríamos aqui para escrever esse texto.
Foi lindo ver o twitter recheado de mensagens afetuosas direcionadas à Leslie e, mais ainda, a empresa ter admitido seu erro. Com isso, Leslie Jones retornou com força total:
— Leslie Jones (@Lesdoggg) 21 de julho de 2016
@Lesdoggg.....I stand beside you sis. I see you...your beauty, your talent, your power. #LoveForLeslieJ pic.twitter.com/X9aNKrCYcQ
A sensação foi a mesma de quando ouvi pela primeira vez Nina Simone entoar "jovem, talentosa e negra". Ambos os textos dialogam com o que Grada Kilomba propõe sobre descolonização do self, sobre nos curar. Consciência negra passa pela compreensão da violência sofrida coletivamente tendo em vista a continuidade. Você tem noção de um roubo, uma dor, uma impotência que esmorece, esmorece até que veja a construída sobre terrenos pedregosos, arenosos e pantanosos demais para você não ter aprendido antes. Contra esse esmorecimento, #LoveForLeslieJ foi de uma importância imensurável. Sem dúvidas, diversas garotas e mulheres Negras se viram representadas nessa onda de tweets para Leslie, sobretudo no ponto de vista da sororidade.
Alguns contextos são tão violentos e tão ininterruptos que desarmam o ego e desmontam a psique, destroem a vida. Que vão de graça pros presídios, param debaixo do plástico, vão de graça pro subemprego, pros hospitais psiquiátricos: a carne mais barata do mercado é a carne negra. Nesse sentido, sabemos muito bem o quão importante foi a hashtag demonstrando que "atingiu uma, atingiu todas" e que "estamos juntas". Porque somos um corpo mesmo, estamos realmente juntas enfrentando as camadas de Jim Crow,
Somos jovens, talentosas e Negras, temos que repetir isso até que seja uma verdade incorruptível em todas as camadas do nosso ser. Assim, mas memorias plantadas não poderão dar frutos que planejam seus cultivadores. Não que isso desfoque os problemas que apontei acima, do mercado, do liberalismo, do racismo. Precisamos reforçar que 1) ok, temos resistido há anos 2)racismo é um problema branco que 3) a população negra enfrenta todo dia só de estarem vivas.
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