Parem de Agredir Negros Para Explicar Racismo
O
movimento racial tem ganhado bastante destaque nos últimos tempos. O movimento #BlackLivesMatter
chegou ao conhecimento de todos, quer apoiem, entendam ou não. E isso gerou um
impacto na produção de mÃdia. A questão racial tem mais do que nunca sido
abordada na música, nos filmes, quadrinhos e nas séries.
E
isso poderia ser algo imensamente positivo se fosse feito do jeito correto, o
que infelizmente não tem acontecido. Quando você é um autor é preciso um
extremo cuidado ao tratar de assuntos como preconceito e opressão,
especialmente se você não faz parte do grupo oprimido e sim do grupo opressor.
A Anne Quiangala já escreveu sobre o absurdo que aconteceu em Orange Is The New
Black. E algo que contribuiu para os erros da quarta temporada é que era um
grupo de roteiristas brancos, mais que isso, era um grupo que escrevia para uma
audiência branca.
Você
não precisa me mostrar brutalidade policial para que eu entenda que existe um
racismo institucionalizado que muitas pessoas nem se dão conta e faz com que
uma pessoa negra andando seja suspeita apenas por ser negra e andar, ou que um
negro parado em um carro é algo que precisa ser averiguado, ou que qualquer
movimento feito por um negro recebe uma reação exageradamente agressiva vinda
de uma polÃcia despreparada e nem que não faz diferença se o negro está de
terno ou esfarrapado, a polÃcia sempre duvidará dele. Eu não preciso dessa
explicação, eu como uma pessoa negra já sei disso. Minha mãe desde muito cedo
me ensinou, não interessa se você está certo ou errado, porrada dada não se
retira.
Aos
17 anos eu e um grupo de amigos fomos a um shopping depois da aula do colégio,
todos de classe média, mas acontece que eu e outro amigo éramos negros e duas
meninas eram brancas. Uma das meninas esqueceu uma sacola de compras com uma
jaqueta jeans, nos dividimos para procurar, meu amigo foi pra praça de
alimentação e um segurança estava com a sacola, ele informou que era da nossa
amiga, que havia uma jaqueta jeans e que ficava responsável. O segurança disse
que ele estava mentindo, que havia um porta-moedas dentro da jaqueta e que não
ia entregar nada, que ele estava tentando roubar a sacola. Uma confusão enorme,
todo mundo desceu pra sala de segurança do shopping, meu amigo revoltado que o
segurança estava mentindo (o que ele estava), que não havia nenhum porta-moedas.
E o que eu vi foi um segurança de mais de 1,90 de altura que dava dois do meu
amigo gritando e apontando dedo e não me interessava quem estava certo ou
errado, eu precisava fazer meu amigo calar a boca e sair dali ou ele iria
apanhar.
Essa
é minha realidade, eu não preciso que um personagem negro seja morto ou
agredido pra saber que isso está acontecendo todo o dia. Eu não preciso da TV
me explicando que eu preciso ter medo quando meu irmão sai de casa, por que a
policia pode parar meu irmão e achar que o 3DS no bolso dele ou é uma arma ou
foi algo roubado.
E
o absurdo que aconteceu em OITNB aconteceu novamente em outra série, dessa vez
foi no sétimo episódio da segunda temporada de Unreal. Antes de explicar o
racismo do episódio em si, é preciso falar de todo o absurdo que tem acontecido
na série.
Unreal
é uma série que se propõem a mostrar os bastidores de um reality show,
Everlasting, aos modos de The Bachelor, uma programa onde um solteiro vai
tentar encontrar o amor da sua vida entre 20 candidatas. Eu sei que esse tipo
de programa é tudo manipulado, falso, envolto em mil tropes preconceituosas,
então um seriado mostrando, mesmo que de forma extrapolada pra entretenimento,
os bastidores disso poderia ser interessante e fazer uma boa crÃtica. E a
primeira temporada foi, havia uma absurda carência de personagens não brancos,
mas eu dei um desconto e foi bom ver uma narrativa de um anti-herói feminino. Rachel
e Quinn, tal qual Walter White em Breaking Bad, são pessoas escrotas e que não
tem redenção, são escrotas pelo puro fato de serem escrotas. Claro que ambas
são personagens tridimensionais e complexas, ainda assim nada justifica e não é
pra justificar, esse não é o ponto da série.
E
a segunda temporada começou trazendo um novo pretendente para Everlasting,
Darius Beck, um jogador de futebol americano negro. A intenção dos criadores
era criticar o racismo televisivo, em especial desses programas de namoro onde
negros nunca tem vez. O problema é que desde o primeiro episódio dessa
temporada foi um banho de discursos racistas gratuitos vindos tanto de Rachel
quanto de Quinn.
O
ápice do racismo culminou com Rachel chamando a policia quando Darius e Romeo,
seu melhor amigo e agente, também negro, saÃram da locação num carro com duas
participantes. A polÃcia parou os dois, desacreditou tudo que eles falaram, os
acusou de roubar o carro, foi excessivamente violenta algemando ambos, apontou
gratuitamente arma de fogo. E então Rachel desesperada e cheia de culpa sai do
arbusto onde estava com a produção do programa, por que sim, ela estava filmando
tudo para colocar na TV e expor o racismo dentro da policia. No que a Rachel
sai gritando desesperada para que os policiais parem aquilo que não havia
necessidade, o policial se assusta e reagi atirando no Romeo que estava
ajoelhado no chão, com as mãos para cima.
A
cena é uma clara referencia a morte de Trayvon Martin que iniciou o
BlackLivesMatter. Mas como Jay, o único negro na equipe de produção de
Everlasting, bem pontual para Rachel, essa não é uma historia dela para contar,
graças à megalomania dela em fazer televisão que faz a diferença ela colocou um
homem negro gravemente ferido numa cama de hospital.
E
a ironia maior é que os roteiristas de Unreal não perceberam que eles são a
Rachel aqui. Eles não têm direito de escrever essa historia, por que assim como
aconteceu com Orange is The New Black, com Guerra Civil, tanto a primeira
quando a segunda da Marvel, temos personagens negros sendo mortos e feridos
para uma narrativa branca, para que brancos entendam o peso do racismo. Eles
não feriram o Romeo para me mostrar o peso do racismo, eu sinto ele todos os
dias, eles fizeram isso para o público branco.
Pior
ainda é eles estarem sendo aplaudidos por isso. Eles estão expondo a realidade
da televisão? Novamente eu já sei que a TV vê a nos negros como descartáveis,
como muletas para historia de brancos, não existe nada de novo ai. Não existe
mérito em matar negros para se falar de racismo, é como jogar bombas pela paz.
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