Globo de Ouro, Branquitude e Negritude

Essas imagens te causam algum incômodo ou impacto? Se sim, vamos bater um papo?


Meu sonho era ser documentarista e cineasta, me tornei comunicóloga porque sempre fui apaixonada pela comunicação, o cinema e a televisão, no fim, eu amo (e odeio) a mídia e sim, me tornei documentarista como sonhei. Eu tinha 13 anos quando tomei a "decisão" de ser isso quando crescesse e estava no primeiro ano do ensino médio, mas honestamente achava que não conseguiria por vários motivos, um deles (e talvez o mais forte) é que eu acreditava que aquele não era um espaço para alguém como eu. Ao entrar no ramo comecei a comprovar que de fato não é um espaço que uma mulher negra é aceitada, mas em qual seria, não é mesmo?

No último domingo aconteceu o Golden Globe 2017 (Globo de Ouro 2017), uma premiação que ocorre anualmente desde os anos 40 para os melhores profissionais e produções do cinema e televisão dentro e fora do famigerado Estados Unidos da América. O que diferencia do Oscar e Emmy é que nesse quem escolhe os vencedores são críticos renomados e especialistas da área.

Como já disse anteriormente, sou uma apaixonada pela área, porém também sou profissional e, como tal, tento crescer, expandir, conhecer, me especializar, profissionalizar, melhorar, e acima de tudo isso, tenho que - ainda - impor respeito. Eu olhava para todos os lados e só conseguia dizer "quanta gente branca" e como profissional negra isso me entristece, afinal o Afroflix, FICINE, o Empoderadas, a Nossa História Invisível, o Frases de Mainha, o site Mulheres Negras do Audiovisual, diversos Youtubers negros, todos esses (e muitos outros) só mostram que existimos e estamos lutando muito pelo reconhecimento no nosso espaço. Temos tantas produções boas e só citei o exemplo do Brasil, mas nos EUA temos diversas diretoras e diretores negros que estão fazendo o mesmo. Vejo que no fim não estou sozinha, nós somos uma comunidade que mesmo sem saber uns fortalecem os outros.

Shonda Rhimes, foto de James White

Enquanto assistia, mesmo vendo que Viola Davis ganhou como melhor atriz coadjuvante em Fences, Tracee Elis Ross como melhor atriz em série de comédia em Black-ish, Donald Glover como melhor ator em série de comédia ou musical em Atlanta, Moonlight como melhor drama e Atlanta como melhor série de comédia, além de ver na platéia a poderosa Kerry Washington (Scandal), Naomi Campbell (Empire), Octavia Spencer (Estrelas além do tempo), Denzel Washington (Cercas), entre outros negros, o que mais eu via se exalando naquele ambiente era a branquitude do cinema e audiovisual nosso de cada dia. Não quero entrar na discussão sobre o que é e o que representa a branquitude, mas é uma escolha deixar de enxergá-la na mídia.

Através das lutas sociais começamos a ver e ter negros nas universidades, no mercado cinematográfico, na frente e por trás das câmeras. Coitado daquele que pensa que um rosto negro na tela é o suficiente para que possamos nos sentir "representados", porque se seguirmos essa lógica, sempre tiveram negros nas telas, claro, porém sempre estavam sendo explorados, objetificados, hiperssexualizados, subalternizados e humilhados, e foi desse jeito que a mídia conseguiu moldar gerações de pessoas negras com baixa autoestima. Se você é negro, sabe bem do que estou falando. A representação molda a identidade.

Se puxarmos em nossas memórias, lembraremos de poucos super heróis e heroínas negros, desenhos, novelas, séries e filmes protagonizados por negros sem estereótipos, reais e interseccionais, não é mesmo? Se tentarmos lembrar o máximo de nomes de diretores famosos, não lembraremos de muitos negros, muito menos de mulheres. E não estou falando apenas no espaço Hollywoodiano, quero que você tente listar quantos diretores, criadores, roteiristas e produtores você lembrar, desses, quantas são mulheres e negros? Isso quer dizer que homens brancos sejam incapazes de falar sobre vivências diferentes das suas? Não né, porque nesse raciocínio, os negros só falariam de temas relacionados às lutas raciais, LGBTs e mulheres seguiriam o mesmo e não é para isso que existem as lutas das minorias no cinema.

Quando um homem branco (até mesmo uma mulher) faz uma brilhante produção sobre negros, ele é muito ovacionado e ainda receber a carteirinha de bom coração solidário, em contrapartida diversos profissionais negros querem simplesmente ter a oportunidade de trabalhar, produzir e ganhar seu espaço e respeito. Enquanto pessoas com privilégios lutam para ter seus trabalhos reconhecidos, quem não está na mesma posição precisa batalhar o dobro (ou triplo) para conseguir simplesmente trabalhar. Não por menos que ver minorias em espaços como esse ainda causa uma surpresa.

Viola Davis ganhou como melhor atriz coadjuvante em Fences

Tracee Ellis Ross como melhor atriz em série de comédia em Black-ish

Donald Glover como melhor ator em série de comédia ou musical em Atlanta

Ao passo que uma produção branca basta fazer um filme bom, com boas atuações, bem roteirizado, produzido e dirigido, as produções contra hegemônicas de - sobre e para - minorias precisam estar acima da média, ser excelentes, não pode simplesmente ser bom, ser bom não basta, tem que ser o melhor para, só assim, ser reconhecido pelo cinema branco, por críticos brancos, pelo público branco, pela mídia branca. Consegue ver que o erro não está em nós?

Gosto de ver (e me reconhecer em) todos esses profissionais talentosíssimos que estão dirigindo, roteirizando, produzindo, atuando e, principalmente, sendo reconhecidos por suas produções brilhantes, isso além de revigorar quem já trabalha e estuda na área, também mostra que sim, podemos estar onde quisermos, mesmo que não sejamos aceitos e respeitados como tal, porque no fim das contas, nosso sobrenome é e sempre será resistência.
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