Eu não sou seu negro...
James Baldwing |
por DANIELA RAZIA
colaboradora do Preta, Nerd & Burning Hell
colaboradora do Preta, Nerd & Burning Hell
Eu me pergunto todas as vezes que vou escrever algo sobre racismo se todos os negros se sentem mal ao comentar coisa tão óbvia. Se comentar sobre o massacre de sua gente , da nossa gente irá se tornar tão comum quanto dizer " vou ali fumar um cigarro." Questiono isso por que em mim dói sempre. Não importa se é nas HQs, livros, na vida aqui fora ... MAS SEMPRE dói.
Martin Luther King Jr. e Malcom X |
Assisti Eu não sou negro de forma meio privilegiada, mas de estado de espírito ruim. Sentada na minha cama, no conforto do meu quarto, aluguei o documentário sem nem mesmo saber que ele tinha estado nos cinemas, muito menos sido indicado ao Oscar. Minha vida está uma névoa e são poucas coisas que me deixo "enxergar. James Baldwin - antes de entrar na militância só conhecia Martin e Malcon X ( devoradora de HQs eu sabia da referência do Professor X e do Magneto baseada nos dois militantes). Mas James e Medgar nem me eram conhecidos.
Medgar Evers |
O manuscrito ficou inacabado com a morte de Baldwin em 87. Mas sua carta para Jay seu agente serviu para cobrir as lacunas, nela estava o desejo dele em terminar Remember This House que relata a vida e morte dos seus amigos Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Junior. O documentário não é apenas centrado nesses personagens. Baldwin também narra suas angústias, o desejo de achar um lugar que o aceitasse e o choque de ver seus amigos perecerem por apenas quererem ser vistos como humanos. Além de todo o racismo e segregação da época que ele descreveu minuciosamente.
James Baldwin |
Um fato mostrado no documentário dividido em alguns capítulos foi a " caminha da fé" de Dorothy Counts. Seu primeiro dia de aula na Universidade de Harry Harding, na Carolina do Norte (EUA), em 1957. Ela enfrentou todo ódio e violência com tal dignidade que me ardeu o coração. Esse acontecimento foi um dos motivos para Baldwin querer retornar da Europa para o Harlem. " Eu deveria estar lá, nós deveríamos estar lá".
Dorothy Counts (esquerda) |
Cada cusparada, pedrada e ofensas a Dorothy me atingiram mesmo tendo se passado quase sessenta anos . Eu imagino no Baldwin. Sentado em um café absorvendo aquela notícia via rádio ou jornal. A raiva, frustração e desespero dele.
Não posso deixar de citar que este documentário mostra todo o resultado do poder da branquitude. Como era tão normal tratar os negros como animal de carga, ou algo sujo e abaixo de qualquer coisa. E conhecendo vagamente a história do Malcom X e do seu relacionamento com Martin, o Magneto me pareceu muito mais simpático. Enquanto Malcom queria lutar e reagir, Martin pregava paz e amor aos opressores, não admitindo rebater com violência.
Quando questionado por Malcom , que acreditava que aquele modo de pensar favorecia ainda mais os brancos, estereotipando os negros como criaturas sem vontade, Martin disse que pensar daquela forma não significava submissão.
Raoul Peck |
Medgar e Baldwin estavam no meio do embate digamos. James pensava que nem todos os brancos eram ruins. Monstros morais eles seriam. Enxergavam o que lhe convinham. E mesmo discordando do movimento de Malcom, James o admirava. E digo o mesmo dele em relação ao Medgar e Martin. Ir ao velório desses homens foi algo que ele demorou muito pra "superar". Por ser o mais velho, esperava ser o modelo dos amigos. E deu-se ao contrário. Os três viraram sua inspiração.
Baldwin também cita vários filmes da época que o marcaram, tanto como "representatividade" como mostrando o racismo mais escrachado possível. O choque ao torcer por Jon Wayne se dar bem contra os índios e perceber que eles também eram ele, sua família e seus vizinhos. Amadureceu na marra. Já os brancos , na visão de James sempre permaneciam no mesmo estado de "inocência", e repetindo o que disse antes, enxergando apenas o que queriam ver.
Também cito o começo do documentário quando em um talk show, o apresentador pergunta se James não está feliz e esperançoso: afinal os negros estão conquistando mais espaço, cargos influentes, lugares mais visíveis nos filmes. A risada seca de Baldwin e sua resposta amarga e dura me doeu; " Não existe esperança nenhuma."
E James no fim, sabia qual era seu lugar. O mundo inteiro.
A história do negro na América é a história da América - e não é uma história bonita.
James Baldwin (1924-1987)
O produtor Raoul Peck usa o livro inacabado de James Baldwin sobre o racismo nos EUA para examinar as questões raciais contemporâneas, com relatos sobre as vidas e assassinatos dos líderes ativistas Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr.
Data de lançamento: 4 de fevereiro de 2017 (Brasil)
Direção: Raoul Peck
Indicações: Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem
Elenco: Samuel L. Jackson (narração)
Roteiro: James Baldwin, Raoul Peck
Produção: Raoul Peck, Rémi Grellety, Hébert Peck
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