Será que você sofre de Síndrome da Discussão Racial Fadigosa?
Akilah Hughes |
A youtuber estadunidense Akilah Hughes é bastante conhecida por sua explicação do conceito de Feminismo Interseccional a partir de pizzas e hamburgueres (veja a versão da Neggata em português). Nele, Hughes praticamente desenha o porquê de mulheres racializadas serem excluídas do feminismo mainstream (branco) tendo em vista um público presumidamente branco. Isso instaura uma problemática que todas nós precisamos enfrentar duma vez por todas. Repita comigo em voz alta:
Eu não sou obrigada a entrar em tretas de internet.
Eu sempre preciso dizer isso a mim mesma, e acredito que você também. Primeiro é preciso ter em vista que pessoas negras não são obrigadas a explicar nada, você não tem que representar a "raça" e você não precisa dar 100% de si o tempo todo pra corresponder a padrões que não nos valorizam. O "Racismo é um problema branco", e focar nossa militância antirracista os educando é gasto de energia e, pior, adoece. Considerando que a maior parte da população negra não se alimenta de forma adequada, nem prioriza o lazer, não faz sentido entrar em discussões com pessoas brancas que sequer avançaram nos estágios do ego e que exigem de nós paciência enquanto permanecem confortáveis, saudáveis e privilegiados.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que a maioria de nós, em algum momento da vida, senão continuamente, discutimos nas redes sociais ou até mesmo em situações lúdicas com pessoas privilegiadas, em especial, sobre relações raciais. Isso é o que Hughes (2015) classifica como a Síndrome da discussão racial fadigosa. Muitas vezes, a pessoa branca começa o monólogo sobre como "não é racista" e "não tem nenhum tipo de preconceito" e as respostas vão se formando em nossas cabeças e escapam de nossos lábios. Faz todo o sentido a vontade de responder, mas por que não gastar essa energia em uma atividade que nos beneficie? Por que não beber um copo de água e iniciar uma conversa sobre o clima? Dialogo pressupõe uma abertura para o Outro, uma dialética de falar e ser ouvida que, dificilmente, pessoas privilegiadas estão verdadeiramente prontas.
"é muito mais difícil ser uma pizza de calabreza [do que uma pizza de queijo] num mundo de hamburgueres" |
Numa perspectiva interseccional, cabe acrescentar que estar entre pessoas negras não garante que a linguagem da opressão de gênero não seja utilizada, bem como ambiente livre de homens-cis, mas que seja povoado por mulheres-cis brancas. O meu ponto é: dificilmente estaremos em ambientes favoráveis, e isso significa que é necessário assumimos o autocuidado como um aspecto vital da nossa militância. E por vital, quero trazer ao centro a ideia de que, fazer a vida negra importar (#blacklivesmatter) requer enfatizar nosso bem-estar físico e emocional, preencher nossas vidas de arte, alimentação saudável e tranquilidade (KO; KO, 2017).
Neste sentido, é imprescindível fugir de debates online ou offline com brancos que começam o diálogo dizendo que não são racistas - ou homens que, ou "não entendem o feminismo" ou "são feministas" - porque se veem como "pessoas de bom coração", pois são infrutíferos. Escrever para uma leitora branca presumida é igualmente inútil, na maioria das vezes, porque nos causa ansiedade, além de reforçar a lógica de serviços gratuitos que brancos costumam exigir de negros.
Nossa angústia histórica, a ânsia por uma democracia da libertação podem ser uma das razões para responder desta maneira às adversidades, mas precisamos ir além. Discutir sobre raça e racismo com racistas, ou mesmo perder a paciência e responder diretamente com racistas é uma forma de manter o sistema de subserviência, e ser um trabalho intelectual não diminui a condição de exploração e de labor emocional. Labor Emocional é um esforço além do necessário, um fingir estar bem com pessoas ou situações desconfortáveis. A conformidade com este esforço, quando se é uma mulher Negra tem um potencial enorme de se tornar naturalizado até mesmo pra nós (internalização). Isso é uma das sensações que nos impede de direcionar nossas leituras, produções e práticas cotidianas no sentido duma liberação real:
Mudanças não são restritas a um evento externo, mas acontecem internamente.
(KO;KO, 2017)
Neste sentido, o autocuidado livre da lógica do individualismo, que nossa sociedade capitalista impõe, é um modo de militância. Nossas vidas em si, são atos políticos. Assim, precisamos nos perguntar, por que gastar tanto tempo com embate, lutando com desconhecidos no Facebook? Pra que argumentar que a cosplay Negra de personagem X é maravilhosa com quem não tem vontade de compreender? Devemos deixar os brancos se questionarem, pesquisarem, pensarem mais sobre o que é ser branco e perceberem que é inútil eles tentarem entender a experiência negra.
Essa semana eu já me estressei profundamente, já respondi diretamente a um racista que eu sei que não está interessado em ouvir. Perdi minutos de leitura, de reflexão e de elaboração, minutos de capital vital. Quando percebi que, apesar de não ser tão envolvida com "tretas de internet", continuo tão suscetível quanto quem está, me ocorreu: "Será que eu sofro da Síndrome da discussão racial fadigosa?".
Claro que sim. Mas esse não é bem o ponto final.
O tempo não para, não é mesmo? O custo nunca vale a pena e nunca será efetivo enquanto os parâmetros das discussões forem dados pela preguiça dos indivíduos brancos e a sua crença de que negros devem instruí-los. Ninguém está livre disso, cada dia que abstraímos o que é importante do que não é, significa uma vitória. Não é questão de fraqueza ou força, de consciência ou não, e por isso que vim escrever esse texto convidando você, a pensar sobre formas alternativas de autocuidado e de desengajamento com tudo o que não for importante.
Beba água, faça uma fitagem, coma frutas e procure identificar no seu cotidiano as situações que exigem de você um esforço elevado. Saúde mental e física possibilitam mais investimento pessoal em capital vital e, por sua vez, dá motivo às nossas vidas. As youtubers Nataly Neri, bem como Luana Pape, têm vídeos bastante inspiradores sobre a importância de pessoas negras procurarem formas alternativas de alimentação, espiritualidade, e outras práticas que desloquem nosso foco unicamente nas injustiças e da consequente reatividade para o bem-viver.
Noutras palavras: sofrer da Síndrome da discussão racial fadigosa não é um fim. Na verdade, a tomada de consciência quanto a isso é o grande salto em direção ao bem-estar. Quando eu disse que sofrer disso não é o ponto, eu quis dizer que a pergunta correta não é "será que eu sofro", mas sim, "qual a rota alternativa, seguirei a partir daí?".
REFERÊNCIAS
HUGHES, Akilah. (2015) Racial Discussion Fatigue Syndrome #RDFS | Akilah Obviously.Disponível em: www.youtube.com/watch?v=j6Kcsm5wp-4>_____. (2015). On Intersectionality in Feminism and Pizza | Akilah Obviously Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=FgK3NFvGp58
KO, Aph; KO, Syl. Aphro-ism: Essays on Pop Culture, Feminism, and Black Veganism from Two Sisters (English Edition). New York: Lantern Books, 2017. (Compre aqui)
NEGGATA. (2016). FEMINISMO NEGRO E PIZZA.Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=g6TUADvOuqY>.
NERI, Nataly.(2017). NEGRITUDE, ESPIRITUALIDADE, SAÚDE MENTAL E FÍSICA. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=jn-ov3ySWlE>.
_____.(2017). BREVE CONVERSA SOBRE SAÚDE MENTAL. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=txX22FCKCaY PAPE, Luana.(2017). SOBRE VIVER BEM X RACISMO INSTITUCIONAL, NUTRICÍDIO | RESPOSTA À NÁTALY NERI. (2017). Disponível em: <www.youtube.com/watch v=aNL4fJGHPZk.
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