Por que eu acho tão importante ser Feminista Nerd?
Cassandra, personagem não-jogável de Mafia 3 (2K Games, 2016) |
Por Anne Caroline Quiangala
Não é novidade que o Universo Nerd e Geek – na prática – é dominado por valores masculinos, de classe média, presumidamente heterossexuais e brancos. Eles não precisam se por nestes termos, porque eles acreditam em “neutralidade”, em “verdade única” e acreditam que haja um exagero de nossa parte de acrescentarmos essas identidades nas nossas apresentações.
Nosso imaginário, hospedado pela empresa que virou sinônimo de pesquisa, comprova, via banco de imagens, que aquele perfil de individuo é o legítimo nerd e geek enquanto nos vemos (ou não) como imagens sexualizadas que nos colocam na mesma condição dos objetos que nos adornam: controles de videogames, óculos de aro grosso, headphones. Isso não significa que o Universo Nerd seja particularmente tóxico, mas sim que ele é uma réplica da sociedade na qual estamos todas mergulhadas. Uma sociedade construída a partir de hierarquias de gênero, raça/cor, classe, orientação sexual e uma série de identidades, que ora se encontram e nos fazem descer um degrau ou mais.
Ser considerada “diferente”, automaticamente, significa estar deslocada do padrão ou do público-alvo, desde a produção de ciência (conhecimento) até de ser público consumidor da cultura de massa. Neste sentido, ser considerada “diferente” nos possibilita ter uma experiência e uma visão de mundo igualmente distinta. Uma visão que tende a nos sensibilizar para algumas questões, temas e objetos distinta daqueles valores “dentro do padrão”.
É por essa razão que eu me afirmo, não feminista e nerd, mas uma Feminista Nerd. Não Geek porque sou mais próxima de tecnologias sociais, que de tecnologias eletrônicas e sim, feminista, porque acredito que minha experiência como mulher, sobretudo por ser Negra, demanda de mim uma visão crítica da realidade à minha volta. Demanda, aliás, que eu veja a realidade empírica, material, esta aqui da Terra 1218, como um tecido composto por uma teia de valores, costumes, senso comum, objetos inanimados, pessoas, obras ficcionais e tudo o mais, que funcionam juntos, como engrenagens dum sistema.
Minha visão de mundo, uma vez que é distinta daquele “mesmo” que se vê como neutro, me leva a concordar com escritoras como Aph Ko, Angela DavisAudre Lorde, Patricia Hill Collins, Chimamanda Adichie, Roxane Gay, Djamila Ribeiro, autoras feministas que têm idades, locais de origem e experiências diferentes da minha, mas são atravessadas pela utopia de um mundo confortável, saudável e justo para todas as pessoas. O feminismo negro tem como pressuposto que o racismo, o classismo, o sexismo e as demais formas de opressão, derivam duma lógica de diferenciação e hierarquização e a nossa luta é contra essa lógica. É evidente que o racismo não é apenas uma opressão, mas um sistema, uma tecnologia social própria, mas como Feminista Nerd, acredito na potência de combate a ele, sobretudo na cultura pop e, inclusive, no contexto do Universo Nerd (repleto de grupos de ódio fantasiados de Fandom).
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