Ela Quer Tudo: Protagonismo Feminino a Serviço Masculino
Para
dezembro eu vi muitas meninas empolgadas com a estreia de Godless pela Netflix,
se a empolgação delas valeu ou não eu não sei. Até por que eu não era uma delas, minha atenção inteira estava voltada para estreia de She's Gotta Have It, Ela Quer
Tudo em título brasileiro, também da Netflix em parceria com Spike Lee.
Por Camila Cerdeira
Ela
Quer Tudo é uma obra produzida em parceria com o Spike Lee e baseado no seu
primeiro filme, de mesmo nome, de 1986. Esse deveria ter sido uma estreia que
faria todo mundo parar. Imagine que vai sair pela Netflix uma série baseada em
Cães de Aluguel do Tarantino, só se falaria nisso por um mês, no entanto quando
foi a vez de Ela Quer Tudo a maioria nem mesmo percebeu que a série havia sido
lançada.
Godless
eclipsou completamente o lançamento de She’s Gotta Have It, mesmo sendo uma
série que não tem nenhum grande nome que possa se equiparar com o peso de um
Spike Lee. E essa não é a primeira vez que uma série majoritariamente negra é
posta de lado, seja pela equipe de divulgação da Netflix, seja pelo público ou
por ambos. Isso é um problema, The Get Down que era uma excelente série foi
cancelada por isso.
Critica
externa a parte. Eu queria tanto ter gostado dessa série, tanto. Essa era a
chance para mim, uma mulher negra pansexual com tendência poliamorosas de 28
anos se sentir representada. E apesar de a protagonista ser exatamente o que eu
acabei de descrever sobre mim, essa série não é sobre mim ou sobre essa
protagonista, mas sim sobre os homens que permeiam a cama de amor desta
personagem.
Durante
a maior parte dos episódios Nola Darling é apenas um plot advice, ainda que
cheio de camadas, para entendermos esses três complexos homens negros com quem
ela se relaciona.
O
primeiro é Jamie Overstreet, um clássico homem negro que tem o dobro da idade
de Nola, que diz estar saindo de um casamento, mas que a gente sabe que não
está realmente. Ele é super bem-sucedido, rico, subiu no status social e
obviamente tem uma esposa branca e uma amante negra que nunca vai assumir. Por
episódios sem fim aguentamos suas poesias bregas sobre Nola e seus lamuriosos
sobre como ele não quer fazer igual ao próprio pai e largar o filho e a esposa pela amante. Você fingir que tem essa dúvida moral enquanto engana e usa todo
mundo não te faz melhor, não fez o meu pai e com certeza não vai fazer Jamie
Overstreet melhor.
Greer
Childs é o segundo homem com quem Nola se relaciona e eu me questiono por quê?
Tá, ele é bonito, mas tão completamente insuportável. O tipo de pessoa que só
está fazendo sexo com outras pessoas por que ainda não achou uma forma de fazer
consigo mesmo. Além da arrogância de sou um homem birracial, por que ser metade
branca tornou ele superior e imune ao racismo na França, e essas questões
raciais são picuinhas que não aconteceriam em locais civilizados como a França.
A presença dele já cansava a cena.
O
último homem de Nola é interpretado por Anthony Ramos, para os fãs da Broadway
o John Laurens de Hamilton. Mars Blackmon é um afrolatino, ou seja, ele é parte
negro e parte porto-riquenho. É um personagem carismático, é meio bobo, mas
sempre bem-intencionado. Tipo um filhote de labrador, ele vai entrar todo sujo
e deixar patadas na sua recém trocada cama, mas ainda é fofinho.
Se
esses três personagens existissem orbitando ao redor da protagonista para complementar
a história dela, estaria ótimo, mas acaba que tudo foi explicado da visão do
homem, mesmo as narrações da Nola são sobre os homens. Como ela se sente sobre
eles, como ela foi traumatizada sobre eles, como eles a influenciam.
O
episódio que retrata a questão da autoestima da mulher negra preferiu tratar
sobre o tamanho da bunda a tratar de como o cabelo é uma parte fundamental da
nossa identidade e autoestima. E eu sei que algumas mulheres realmente tentam
aumentar a bunda a todo custo, mas junta isso com toda narrativa da série e os
milhares de takes de sexo gratuitos. E eu não sinto que essa série tenha sido
feita para mim ou para qualquer mulher, no sentido de não se preocuparam que
mulheres negras se veriam naquelas histórias e personagens, por que tudo foi
feito para e sobre homens.
Piora
muito o fato de que somos revelados a não monossexualidade da protagonista num
discurso mais que errado. Os três homens com quem ela se relaciona cometeram
erros, ela diz que quer férias de homens, mas que isso não significa que
precisa ter férias de sexo. E do nada somos apresentados a Opal, uma ex
namorada de Nola. Na verdade, Opal é uma personagem muito bem construída e em
muitos pontos a relação delas duas é a mais saudável para Nola. O problema é
que talvez a reciproca não seja tão verdadeira. O grande erro é apontar
como pansexualidade ou bissexualidade sendo como eu me relaciono com homens e
apenas eles e quando preciso tirar férias e me divertir fico com mulheres é um estereótipo
over utilizado e completamente problemático.
Devo
confessar que os últimos episódios, acho que os 3 últimos, foram bem mais
centrados na protagonista de fato e fica um cliffhanger no final da temporada
que pode ser uma luz no fim do túnel para corrigir todos esses problemas que
apontei. Eu queria muito gostar dessa série, por causa da identificação com
Nola, por que DeWanda Wise é uma excelente atriz no papel de Nola, por que
visualmente a série é bonita, mas esses erros são difíceis de superar.
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