"Amor é Amor" e todo mundo deveria saber isso!

love is love
Batwoman na coletânea Amor é Amor da editora IDW.
Arte de Rafael Albuquerque [detalhe].

por Anne Caroline Quiangala


  • Amor é Amor
  • Editora: Novo Século [Selo Geektopia]
  • Vários artistas (mais de cem historietas)
  • Editores: Sarah Gaydos [IDW Publishing] e Jamie S. Rich [DC Comics]
  • Páginas: 144 
  • 2017 

DA TRAGÉDIA AO QUADRINHO 


Amor é Amor é uma antologia em quadrinhos em homenagem às vítimas do atentado à boate LGBT Pulse, em Orlado (E.U.A), que ocorreu em julho de 2016. Considerado o maior tiroteio dos Estados Unidos, esse ataque conduzido por Omar Mir Seddique Mateen causou a morte de quarenta e nove pessoas e feriu mais cinquenta e três. É assustador que, desde Stonewall (1969) nenhum ato abertamente homofóbico havia se concretizado nesta escala naquele país, de modo que a concepção da antologia tem a importância, não apenas de protestar e oferecer alternativas, mas de registrar. O ato não foi mera "fatalidade", mas sim violência premeditada: isso não se pode perder de vista. Felizmente, a obra venceu o Prêmio Eisner (2017) na categoria Melhor Antologia evidenciando que a empatia e a luta pelo justo e bom prevalece.

Acima de tudo, a mensagem de Andreyko no posfácio sintetiza a obra:

O amor cria. O amor cura. O amor nos dá esperança. Amor é amor.

Com o propósito de expressar o luto pelas vidas ceifadas e oferecer suporte aos sobreviventes, o roteirista Marc Andreyko - conhecido pela fase excelente da Batwoman e pelo seu ativismo LGBT - reuniu diversos escritores e artistas renomados no universo dos quadrinhos mainstream para expressar sua solidariedade, reflexão e ativismo. Um aspecto interessante desse esforço coletivo é que a editora DC Comics ofereceu serviços editoriais como, por exemplo, a permissão de uso de suas personagens (Batwoman, Mulher Maravilha, Arlequina, Hera Venenosa e outras) e possibilitou assim que a arrecadação proveniente das vendas fosse direcionada a esforços construtivos.

Em Amor é amor o ponto alto é a pluralidade de experiências e a ênfase no multiculturalismo. Há uma visível preocupação de representar diferentes identidades (raciais, gênero e sexualidade).
Quadro 1: Amar é um ato de protesto. Amor não é um slogan. Amor não é uma promessa vazia.
Quadro 2: Amor desafia. / Mesmo quando balas desintegram vidas e o ódio rasga a garganta do próprio país.
Quadro 3: Voando com asas que não se queimam quando tocam o sol.
Quadro 4: O dia não é feito de escuridão.
"Voe", por Joe Kelly e Victor Santos [Detalhe]


ESTRUTURA NARRATIVA E TEMAS 


Amor é Amor conta com a participação de mais de uma centena de escritores e artistas renomados, como Gail Simone, Brian Michael Bendis, Grant Morrison, Jim Lee, Mark Millar, Ming Doyle, Marguerite Bennett G. Willow Wilson além do prefácio da diretora de Mulher Maravilha e Monster: Patty Jenkins. Cada história traz uma perspectiva específica sobre o corrido, ora abordado a importância do amor e do orgulho identitário, ora a importância dos aliados e seu "superpoder", responsabilidade e, por vezes, fardo da empatia.

Uma das melhores histórias do álbum é "Amor é Amor", por Paul Dini (roteiro), Bill Morrison (ilustrações) e Robert Stanley (cores).

A antologia foi uma resposta positiva e efetiva ao ocorrido, inclusive porque há diversas histórias de celebração do amor como Amor é Amor, assinada por Paul Dini. Na sequência, vemos a relação entre Hera Venenosa e Arlequina duma perspectiva pessoal e bem-humorada sobre o cotidiano e as concessões necessárias para um relacionamento saudável. Ambas as personagens, passaram por uma recente ressignificação e essa história aponta para a melhor versão da Arlequina, na qual ela se recuperou duma relação abusiva com o Coringa (ao contrário do filme Esquadrão Suicida).

Além de narrativas sequenciais, encontramos ilustrações, poesias e uma mistura de todos esses, remetendo um formato de publicação mais alternativo. É interessante ver esse deslocamento dos super-heróis de suas edições com capas cromadas e lutas contra vilões específicos para as páginas em que inspiram, sentem os horrores da homofobia e também se solidarizam.

Uma das melhores histórias é "Corajosa", roteirizada por Amanda Deibert e ilustrada por Cat  Staggs. Em seis requadros, a dupla narra o encontro de Batwoman com uma jovem Negra que perdeu sua mãe, presumidamente, na boate Pulse. No diálogo, a heroína enfatiza o quanto "sair do armário" é uma atitude corajora, até mais que lutar contra vilões. Apesar da personagem ser bastante criticada por sua performance associada a uma feminilidade padrão, sua presença na coletânea - bem como da Mulher Maravilha - reiteram a história de sexismo e de homofobia (em relação à dupla Batman e Robin) que levou a sua concepção.

Essa presença significativa contrasta com a intermitente aparição do Batman, um personagem que representa todos os privilégios do "ocidente". Ao Bruce Wayne resta fitar o sofrimento alheio com certo constrangimento e o remorso de não ter chegado antes e acredito que essa visão convencional tenha assumido espaço demais.

Sem título.
Roteiro de Taran Killam, desenhos de Barry Crain e Cores de Giulia Brusco.

Embora o atentado tenha lançado luz à discussão sobre porte de armas (porque Mateen tinha), nesta coletânea, o tema me pareceu particularmente desviante pela quantidade de histórias. Sem dúvidas é necessário conectar causas e consequências, mas no meio da pluralidade de histórias parece que alguns artistas não se sentiram confortáveis o suficiente para falar sobre orgulho LGBT e, até mesmo, sobre homofobia e transfobia. Há histórias absolutamente conscientes e sensíveis, que partem de experiências pessoais e que rompem com o senso comum sobre "explicar às crianças de sete anos sobre dois homens se beijando". A experiência das pessoas comuns é a essência da coletânea, evidenciando a importância das subjetividades, dos processos de descoberta e de consciência, de modo que o lúdico, as várias formas de amor e de compreensão injetam esperança na leitora. 

No geral, o ritmo de leitura é agradável porque as histórias são diretas e priorizando mensagens rápidas; apesar disso, houve momentos em que a conclusão da história ficou suspensa e a sua função de ser me causou sérias dúvidas, daquele tipo "tá, e daí".

A GRANDE CONTROVÉRSIA


Quando eu soube dessa publicação, não imaginei que pudesse ser publicada no Brasil. Ainda assim, me ative à análise dx colunista Alexis Sergio: LOVE IS LOVE: AN ALLY ANTHOLOGY? (Amor é Amor: uma antologia dos aliados?).

Neste texto, ela tanto evidencia os aspectos positivos desta iniciativa (reunião de forças), quanto critica aspectos da execução. Para Alexis Sergio, a introdução concebida por Patty Jenkins - que, segundo suas pesquisas, não é LGBT - é um aspecto central da obra como um todo. Sergio denuncia que a maioria dos autores envolvidos no projeto são brancos, e que, ironicamente, a perspectiva é oposta à da maioria das vítimas - pessoas não-brancas.

Além disso, o fato de uma grande parcela serem não só brancos como heterossexuais e cisgênero enfatiza a perspectiva de "como [o tiroteio] afetou os aliados e quão tristes estão os pobrezinhos". Sergio é enfáticx ao afirmar que:

É uma vergonha que esse quadrinho não seja para o público LGBT, mas sim para aliados (Alexis Sergio via Woman Write About Comics).

Como uma pessoa latinx e queer que vive próximo a Orlando, Alexis Sergio se sentiu particularmente ultrajadx pela ênfase em personagens brancos e sentimentalismo de quem não vivencia as opressões, afinal elx perdeu pessoas queridas. Com o intuito de amplificar as vozes de escritoras e artistas LGBTQ, Sergio citou seus nomes: James Tynion IV, Marguerite Bennett, Jay Edidin e Sophia Foster-Dimino, Emma Houxbois e Alejandra Gutierrez, oss Fisher, Brenna Davis, Yildiray Cinar, e Deron Bennett, Steve Orlando, Lain Laurie, Harry Saxon e Corey Breen.



A lucidez da análise de Alexis Sergio em relação à coletânea é importante porque revela o quanto ainda precisa ser feito em relação à compreensão de privilégios e a verdadeira função de aliados na luta. Numa tragédia como a ocorrida na boate Pulse, mais do que qualquer coisa: o protagonismo não deveria ser heterossexual, cisgênero e branco, contudo ela conclui:

Isso não significa que não sou orgulhosa da minha comunidade por se unir na confecção deste livro. Eu amo diversas histórias aqui e ali, mais do que ser bom o bastante para gerar doações para a Pulse. Estou triste com o fato de que, apesar do envolvimento incrível de pessoas LGBT, é um livro que me parece mais útil comprar para aliados. Apesar disso, pessoas LGBT têm um bocado de coisas para desfrutar aqui; se você deseja pagar por cada história incrível você receberá o valor. Amor é Amor, e é bom ver pessoas se aliando para apoiar o amor. (Alexis Sergio via Woman Write About Comics) 

Eu concordo em número e grau com Alexis Sergio, e você, já leu Amor é amor? Conta pra mim o que você sentiu depois de ler!




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