[GUEST] Seven Seconds: o final que você quer não é o que você precisa

Seven Seconds, série original da Netflix, apareceu no meu catálogo de maneira tímida, despretensiosa. Sem muitas expectativa - sem nem mesmo ler a sinopse - apertei o play, de modo que eu não estava preparada para o emocional de uma história fictícia, mas que poderia facilmente ser verdadeira nos tempos de hoje.

Por Karoline Gomes*

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O texto a seguir contém spoilers da série Seven Seconds, da Netflix.

E é verdadeira. Pelo menos em partes. Seven Seconds é sobre violência e corrupção policial nos Estados Unidos, assinada por Veena Sud, showrunner conhecida por adaptar The Killing, também original da Netflix, da série dinamarquesa para a versão americana. Segundo Veena, o nome do personagem cujo assassinato o roteiro gira em torno, Brenton Butler, é inspirado no Brenton Butler da vida real que, em 2000, então com 15 anos, foi preso e acusado de matar um turista em um motel de Jacksonville, sua cidade natal. Butler testemunhou que fora induzido pela polícia a confessar o crime e sua história foi contada no documentário vencedor de Oscar Murder On A Sunday Morning.

O Brenton Butler da história de Veena também sofre com falsas acusações, no caso, de participar de gangues de tráficos de drogas. A diferença é que o garoto da série nem mesmo pode se defender ou contar sua própria história, já que está morto, o que já o torna representante de muitos outros adolescentes - não só nos Estados Unidos - que têm suas vidas minimizadas e reduzidas por serem pobres, por terem envolvimento com drogas ou simplesmente por serem negros. Mas sua morte é apresentada de uma maneira inesperada.


Ao invés de ser vítima da famigerada “bala perdida” ou da violência direta dos policiais que “combatem o tráfico” no país, ele sofre o que, de fato, foi um acidente: um atropelamento enquanto andava de bicicleta numa manhã de nevasca em Nova Jersey, algo que poderia acontecer com qualquer garoto, mas as circunstâncias e o racismo são os fatores que o mataram de verdade.

Acontece que, no volante, estava um policial, Peter Jablonski (Beau Knapp), novo na equipe de narcóticos da cidade, acostumado a prender, perseguir e violentar meninos negros. Inicialmente, a série mostra Jablonski assustado com o acidente, notando que atingiu uma pessoa, provavelmente uma criança ou adolescente, ao notar a bicicleta debaixo do seu carro.

Ele então liga para seu sargento, Mike DiAngelo (David Lyons) que, depois de confirmar que a vítima não só era um garoto, como também era negro, induz Jablonski a não prestar socorro, argumentando que o jovem policial poderia perder sua carreira, por causa de uma suposta caça às bruxas contra policiais em tempos de Ferguson. Prestes a tornar-se pai, Jablonski demonstra medo de ser preso e ficar longe de sua família e foge do local do acidente. DiAngelo e outros dois policiais de sua equipe se encarregam de limpar os rastros do parceiro e também abandonaram Brenton, que ficou na neve por 12 horas até finalmente ser encontrado e levado ao hospital, onde morreu, pois os cuidados aconteceram tarde demais.


Começa então uma narrativa emocionante, graças ao protagonismo de KJ Harper (Clare Hope Ashitey), promotora que insiste no caso para obter justiça para Brenton, e Latrice Butler (Regina King), mãe do garoto. Em exemplos raros de como se escrever mulheres negras na TV, ambas demonstram fragilidade, vulnerabilidade, dúvidas, dor, fugindo completamente do estereótipo de “angry black women” que a mídia insiste em plantar, ao mesmo tempo que, de modo algum, as enfraquece ou as minimiza na história. Pelo contrário, ambas são fundamentais para o desenrolar do caso de Brenton.

Questões como ativismo, luto, religião, porte de armas, homossexualidade, uso de drogas e muitas outras são pautadas ao longo da temporada, sempre do ponto de vista dos personagens negros muito bem desenvolvidos e entregues por seus atores. Mas também há algo muito perturbador na maneira com que a série mostra como o assassinato de Brenton e também o racismo influenciam as pessoas brancas da história.

Ao longo dos episódios, a relação entre DiAngelo e Jablonski é utilizada para demonstrar como a violência e o racismo são problemas ensinados e incentivados entre os policiais, e mostra também como esta cultura é tão forte que eles preferem defender uns aos outros do que admitir a culpa ou socorrer um garoto com todo um futuro pela frente. Isso até, é claro, esta defesa do próximo passa a não ser mais uma garantia de defesa e interesses pessoais.

Já Joe “Fish” Rinaldi (Michael Mosley) acaba sendo, literalmente, o bom policial da trama, aquele que enche o coração dos espectadores de esperanças. Mas não muito, quando este espectador é negro. Com todos os méritos de Fish, não dá para ignorar o fato de que, para que seu personagem pudesse ter o desenvolvimento que teve, precisou morder a língua preconceituosa muitas vezes, principalmente a respeito de Brenton e sua família.


Diante de tanto sofrimento na família Butler e violência por parte dos policiais, é comum criar um sentimento de revolta e desejar que todos os policiais que machucaram Brenton sejam presos, mas não é isso que acontece em Seven Seconds. A fim de proteger interesses pessoais, a equipe de DiAngelo, encontra uma maneira de incriminar somente a Jablonski que, por sua vez, não tivera tempo de aprender tal malícia e decidiu não levar os outros, principalmente seu sargento, junto com ele a prisão.

A pena dele também não é o quanto ele mereceria cumprir, uma vez que o juri, persuadido pelo racismo e machismo contra JK (o que lembrou muito o caso da vida real de Marcia Clark enquanto julgava OJ Simpson) decidiu que não houve crime de ódio por parte de Jablonski, somente os crimes de atropelamento e abandono - abandono este supostamente não motivado por questões raciais.

Apesar de parecer clichê, devo afirmar: não é isso que acontece na vida real também. Mas não é só porque ficou mais próximo da realidade de impunidade de policiais americanos que eu aprovei o final da primeira temporada de Seven Seconds, mas sim para a revelação guardada para o final.

Ao contrário do que o primeiro episódio faz acreditar, o policial, na verdade, foi até a vala a qual o corpo do garoto havia sido jogado pelo impacto do acidente e o viu. Somente enxergou os estereótipos de negro, possivelmente membro de gangue. Provavelmente fora isso que o fez ligar para DiAngelo. Provavelmente, teria prestado socorro se tivesse visto um menino branco.


Sim, a história mostrou a educação cruel da polícia, mas revelou também que Jablonski não precisou disso para tomar sua decisão de não prestar socorro para Brenton; mostrou o que o juri não quis enxergar: um homem cujo racismo era tão grande a ponto de se recusar a cumprir seu dever de policial, que é salvar vidas. Só porque, aquela vida em questão, era uma vida negra.

E não se engane. A série não coloca o racismo como uma doença, um problema que fez de Jablonski uma vítima de si mesmo, pois faz questão de nos apresentar a educação que ele teve antes da polícia, vinda de um pai agressivo e também racista. Racismo, mesmo quando não explícito, é ensinado e está por todas as partes.

Por passar essa mensagem, que o final de Seven Seconds pode não ser o esperado de acordo com a construção da trama, mas é o que a sociedade precisa assistir e compreender.



KAROLINE GOMES é Jornalista com experiência em conteúdo de cultura pop e voltado para o público feminino, pós-graduanda em Cinema e Linguagem Audiovisual, feminista preta.
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