A Linha Que Separa Amizade do Queerbaiting.
Já
fazem quatro textos, mais de 40 dias que eu não falo sobre um tema relacionado
a comunidade LGBT, então eu decidi voltar ao tema do Queerbaiting, por que essa
é uma fonte que nunca acaba. Caso não tenha lido meu primeiro texto sobre o
tema, você pode ler clicando aqui.
E
sendo bem honesta aqui, as vezes a culpa é nossa. As vezes dois personagens nem
tem nada na narrativa que indica que eles possam ter algum envolvimento romântico/sexual,
mas o mundo do ship não é feito pela razão, afinal você pode shippar
personagens que nem são do mesmo universo. Lembro de muita gente shippando a Elsa
de Frozen com o Jack Frost de A Origens dos Guardiões.
O
problema surge quando duas personagens do mesmo gênero que não tem nenhum
indicativo de interesse romântico ou sexual entre si ganham uma fanbase tão
barulhenta que desperta a curiosidade dos criadores. E as vezes esses criadores
pensam, a gente pode lucrar em cima desses otários e assim nasce mais um
queerbait. Caso tenha lido meu texto linkado a cima eu comento como não existe
muito conteúdo para embasar o ship Finn e Poe de Star Wars, em dois filmes os
personagens não tem nem 30 minutos de cenas juntos, mas isso não impede os fãs
de gritarem pedindo que seu casal seja canon.
Agora
quando se trata de casais femininos, eu tenho sentido uma certa constância de
acontecimentos ou circunstancias que me fizeram refletir. Eu muito garota, com
meus quase 30 anos sou uma grande fã de produções da Disney Channel, sejam
séries ou filmes eu vejo tudo. E muitas vezes essas séries são escritas por
homens e eu começo a suspeitar que esses homens não sabem a diferença entre “somos
melhores amigas” de “eu quero beijar essa garota”. Calma que eu darei exemplos.
Vamos
primeiro citar um bom exemplo de amizade feminina onde ninguém aqui suspeita ou
cogita a possibilidade de elas quererem se pegar. The Bold Type, temos aqui 3
protagonistas Jane, Kat e Sutton. Elas têm seus 20 e alguns anos, trabalham na
mesma revista feminina em cargos completamente diferente, tem personalidades
diferentes, elas se apoiam no que for, estão sempre uma pra outra, mesmo quando
se desentendem e inúmeras vezes foi deixado explicito que a amizade delas vem
ou antes ou está no mesmo patamar que relações amorosas. A Kat até teve todo um
arco de descoberta da sexualidade ou se apaixonar por uma fotografa, as amigas
celebraram o primeiro beijo, quiseram detalhes de como foi fazer sexo oral numa
mulher pela primeira vez, comentaram sobre ter questionado a própria sexualidade
(Jane não, Sutton sim). Num episódio a Kat até tira um “brinquedo sexual” que
ficou preso na vagina da Jane e mesmo assim você não sente a menor
possibilidade de elas quererem se pegar em algum ponto da série. A relação
delas é puramente platônica e um excepcional exemplo de como é amizade
feminina. Nota, a série é criada e escrita em sua maioria por mulheres.
Mulheres
sabem como é a amizade feminina, especialmente mulheres não heteros. Por que
olha a nossa vida fica muito mais difÃcil quando a gente não sabe diferenciar
se aquela gentileza ou elogio foi uma amiga tentando levantar nossa autoestima
ou uma gata dando em cima da gente. Isso não quer dizer que todo homem não
saiba escrever amizades femininas.
Brooklyn
99 é outro exemplo de excelente amizade feminina. Temos a Rosa Diaz que é uma
mulher latina bissexual que tem caracterÃsticas socialmente consideradas másculas
e temos a Amy Santiago outra mulher latina, mas agora hetero e extremamente
feminina. Quando Amy é promovida a sargento ela tem medo de que seus traços superfemininos
façam com que ela não seja respeitada e Rosa é quem insiste que Amy ser
feminina não faz dela menos bad ass ou merecedora de respeito. Ainda assim não
há qualquer indicação de sentimentos românticos/sexual de nenhuma das partes.
Alguém
avisa para os roteiristas que eles fizeram uma música de termino de namoro e
não perceberam. A Mal, personagem de cabelo roxo, tem um namorado, o Rei Ben,
com quem ela terminou para voltar para a ilha dos vilões, mas em vez de fazer
uma canção no maior estilo High School Musical 2 - I Gotto Go My Own Way, mas não
fizeram a Mal cantar uma canção emotiva sobre separação com a melhor amiga
tendo direito ao beijo Disney. Por que no Disney Channel demora para um casal
se beijar em tão ou eles olham profundamente nos olhos um do outro e se abraçam
ou encostam a testa de forma passional como as meninas no clipe. Terminado o
filme ficou eu e mais 3 pessoas de 20 e poucos anos discutindo como as duas
obviamente eram um casal e ninguém notou que tinham escrito.
Outro
exemplo de amizade que as pessoas carregaram a mão é Alexa&Katie, série da
Netflix. É do mesmo estilo séries do Disney Channel sobre duas melhores amigas
e como elas passaram pelo ensino médio (High School nos Estados Unidos) quando
uma delas tem câncer. E no começo realmente era só uma amizade muito legal
entre duas meninas, que se apoiam muito, mas quando termina e chega a rolar um “você
vai ao baile comigo”, a música tema é meio intensa demais.
Algumas
vezes a intenção dos roteiristas é essa mesmo, escrever uma amizade intensa
demais. Em One Day At A Time primeira temporada somos apresentados a Carmen,
melhor amiga de Elena, e as duas tem uma amizade muito intensa. Lydia, a avó de
Elena, até insinua que as duas tem um caso, mas isso foi proposital, por que
Elena mais na frente teria um arco onde se descobre lésbica, Carmen continua
hetero, então a amizade intensa que poderia ser queerbaiting foi mais um alivio
cômico misturado de uma insinuação do futuro.
Ou
então os roteiristas colocam o queerbait mesmo. Como na primeira temporada de
Riverdale onde foi posto Veronica e Betty se beijando, cena que estava até nas
propagandas do episódio só para atrair o público LGBT achando que elas
formariam um casal, mas não. E na segunda temporada rolou um vou cantar uma
canção romântica para você no episódio musical e você sabe que os roteiristas
só estão soltando migalhas.
O
que eu quis dizer com esse texto inteiro? Sim, nós como público precisamos ter
atenção quando atacamos criadores de conteúdo por fazer queerbaiting. Às vezes a
gente que criou todo cenário e eles tiraram proveito da situação. Mas os
criadores de conteúdo precisam começar a perceber que não é por que são duas
meninas fazendo algo que foi apagado a possibilidade de uma interação romântica-sexual.
Ficou colocado no imaginário popular que meninas são super afetuosas com suas
amigas por que não tem medo de serem consideradas gays. Primeiro que isso é
mentira, quando você é abertamente não hetero nem toda amiga fica confortável de
dar a mão, sentar no colo, dormir na mesma cama ou trocar de roupa na sua
frente. Segundo existe uma diferença de afeto entre amizade e eu quero pegar
você. Aprendam essa diferença, minha vida de espectadora parte da comunidade
LGBT vai se tornar tão mais fácil.
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