Jessica Jones #1 - Afastada

Após a série da Netflix, Jessica Jones se tornou uma personagem popular, mas não apenas isso, ela passou a ser vista como um ícone feminista, porque sua performance de gênero rompe a norma em múltiplas frentes: sua vestimenta, vocabulário repleto de "palavrões" e hábitos autodestrutivos. Criada em 2001 por Brian Michael Bendis e Michael Gaydos, a personagem retorna no encadernado "Afastada", com aquela equipe criativa! 


por Anne Caroline Quiangala


  • Jessica Jones Vol. 1 - Afastada (Maio/2018)
  • Roteiro: Brian Michael Bendis
  • Arte: Michael Gaydos; Cores: Matthew Hollingsworth; Capas: David Mack
  • Trad. Dandara Palankof
  • Editora Panini (Marvel)
  • Edições #1-#6 (140 páginas)

Esse encadernado é uma interessante obra de entrada, porque não exige da leitora conhecimento prévio a respeito do que aconteceu em outros quadrinhos. Apesar disso, ela se mantem convidativa para quem acompanha o universo Marvel e seus mega eventos.

* * *

A história começa com a soltura de Jessica Jones, que estava sendo mantida numa prisão não convencional. Assim que ela sai, acessamos o estado de sua vida - mais uma vez - arruinada. Não demora até que ela seja abordada por ex-colegas suas, heroínas, enviadas por seu marido (Luke Cage), no intuito de descobrir o paradeiro da filha deles (Danielle Cage). 

Elas tratam Jones com uma hostilidade que soa gratuita, ao menos, num primeiro momento. Neste sentido, a presença da Misty Knight é representada de forma bem irritante, pois expressa aquela situação de conflito de interesses, na qual o "feminismo branco" vence em silêncio - à medida que reforça o estereótipo da mulher Negra raivosa.

Neste encadernado, Jessica aparece em toda a sua decadência ALIAS e sem papas na língua.


Paralelo a isso, Jessica decide pegar um caso. A cliente pede à heroína que investigue seu marido, pois ele alega ter vindo de outra dimensão. Aliás, pra quem acompanhou o evento Guerras Secretas 2, esse arco oferece uma experiência interessante, porque nos leva a observar as consequências do evento na vida de pessoas comuns. Bem, se o encadernado tem uma qualidade  é a de questionar o modo impositivo como as decisões dos super-heróis definem a realidade de toda a população (vide o encadernado Novos Vingadores: Tudo Morre) à medida que escondem fatos "para proteger".

Esta linha narrativa discute de forma sarcástica o quanto os mutantes, inumanos e deuses se distinguem do povo comum e "impõem" leis, matam ou deixam viver. Essa descrença radical é tediosa, principalmente pela repetição da ideia sem o aprofundamento prometido.

Além disso, as novas configurações do universo convencional atravessam o cotidiano de Jones: os campeões (equipe jovem liderada por Miles Morales e composta pela Miss Marvel, Nova, Coração de Ferro, Hulk e Vis) passam pela cidade vingando sem serem, exatamente, Vingadores.

Enquanto Jessica tenta solucionar aquele caso, ela precisa lidar com Luke Cage, seu marido, que deseja saber o que houve com a filha deles. A partir do momento em que se encontram, passam ao jogo de encontra e esconde, até o final. Essa passagem, pra variar, é o ponto baixo da história, porque tenta demonstrar os efeitos do racismo e do sexismo no cotidiano, inclusive o modo como situações são interpretadas por este viés. O equívoco relacionado a racismo em Jessica Jones serve pra manter em alta o feminismo branco e, evidencia que as críticas àquela fase não foram incorporadas. Claro, Jones acerta muito na sororidade, mas o que vemos reiterado é certa seletividade (semelhante à da série).

Sororidade conveniente

Apesar de outros deslizes em relação à discussão a respeito do racismo, e, até mesmo, à sororidade, o quadrinho discute bem o tema "crime de ódio" com posicionamento e mensagem progressista. Em meio aos flashbacks, se infiltra uma subtrama relacionada a uma nova organização (alega não ser a IMA, nem a HIDRA). O objetivo não é apenas matar, como torturar pessoas com super-poderes, o que funciona como trampolim para uma discussão mais profunda... que não é feita.

Considerando que são apenas os primeiros seis, e que há espaço entre as 140 páginas preenchido pelas capas variantes, não surpreenderá se o roteiro mantiver essa historia simples e previsível.

Apesar de ser previsível, a narrativa deste encadernado retoma o sarcasmo, a decadência e peso de submundo dos heróis que constitui o universo de Jéssica Jones. Um dos pontos altos do encadernado é a chance de revisitar o estilo Bendis-Gaydos, que depositam mais humor em Jessica sem fazê-la se tornar a piada, sem sexualização - enfim, tudo o que leva feministas não-interseccionais a se identificarem mais cedo.

Em suma, eu lerei o próximo para ter uma compreensão maior dos discursos, da mensagem e do que Bendis e Gaydos pensaram para produzir. Muitas questões apresentadas neste primeiro volume deverão ser respondidas no próximo, então que venha o próximo, desde que não seja como a segunda temporada na Netflix!
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