O que é afrofuturismo?
Afrofuturismo é a ideia de um futuro que nasce a partir de
perspectivas negras, ou seja, um futuro onde pessoas negras existem e são
diretamente responsáveis pelo mundo em que vivem. Nas palavras de Kenia Freitas: “o
afrofuturismo é um movimento que abrange diversas narrativas da ficção
especulativa, que permite explorar o passado e futuro, sempre a partir da
perspectiva negra.”
por Anna Gabriela Teixeira
Em sua TED Talk, Nátaly Neri fala do afrofuturismo como uma
forma de imaginar um futuro onde negros sobreviveram à violência policial, à
falta de oportunidades de estudos, aos salários menores e ao racismo
institucional como um todo. É um futuro em que negros existem, mas não como
escravos ou ainda na luta pela sobrevivência, mas como criadores de sociedades
marcadas pelo alto desenvolvimento tecnológico e pela cultura e estética
africana. A Wakanda de Pantera Negra é um exemplo bem didático deste tipo de futuro, ao misturar alta tecnologia e conexão
com a ancestralidade.
O termo afrofuturismo foi cunhado por Mark Dery em 1994 para
se referir à essas histórias.
Entretanto, a sua origem é bem mais antiga. O
movimento surge já na década de 1950 com o músico Sun Ra, que misturava elementos
espaciais, como temas extraterrestres e futuristas, com elementos da
ancestralidade africana. Depois de Sun Ra, surgiram outros artistas, como George
Clinton e suas bandas Parliament e Funkadelic que também traziam esses
elementos. Ou seja, o
afrofuturismo surgiu inicialmente como um movimento musical que depois se
espalhou para outros tipos de manifestações artísticas, como cinema, literatura
e moda. Hoje ele ainda possui essa ligação com a música, através de artistas como Janelle Monáe, Willow Smith e até mesmo Rihanna e Beyoncé.
Dirty Computer, álbum de Janelle Monáe |
Devido a suas características, este movimento possui uma
grande conexão com a ficção científica. A história do sci-fi é racista e
machista, tal qual o mundo em que vivemos. Embora tenha uma mulher feminista
como uma de suas fundadoras, ela foi logo incorporada no imaginário masculino
branco e lá permaneceu durante muitos anos. Claro que sempre existiram mulheres
e negros lendo e escrevendo ficção, porém, foi só na década de 70 que mulheres
ganharam mais espaço, entretanto, escritores negros continuaram sendo
preteridos.
Octavia Butler é até hoje uma das mais aclamadas autoras
negras de ficção científica. Ela começou a ser reconhecida em 1984 quando
ganhou o prêmio Hugo pelos contos Speech Sounds e Bloodchild. Sempre trazendo
protagonistas negros e abordando questões de raça e gênero, em Speech Sounds
ela chega a discutir questões de controle reprodutivo. Enquanto em séries como
The Walking Dead mulheres ficam grávidas no meio do apocalipse como se isso não representasse uma ameaça direta a sua sobrevivência, a personagem de
Butler se preocupa em garantir que não terá uma gravidez como forma de
sobrevivência. Ou seja, sua história não é feminista apenas por ter uma
protagonista mulher, e sim por se preocupar com questões femininas e que continuarão a fazer parte de nossas vidas mesmo depois do fim
do mundo como o conhecemos. Em Kindred,
ela levanta a questão da viagem no tempo: se para homens brancos é sempre
divertido, e até saudoso, voltar no tempo, como no caso de De Volta Para O
Futuro, para uma mulher negra a história é completamente diferente. Aqui, mais
uma vez, questões de raça e gênero são cruciais para o desenvolvimento da
história. Ser mulher e/ou negra não é só um detalhe, é algo que pode mudar o
destino dos personagens.
Octavia Butler |
Por isso afrofuturismo não é “apenas” representatividade:
não basta ter personagens negros para se encaixar nesta categoria. É preciso
partir de uma cultura e estética africana ou diaspórica e lidar com questões
relacionais a negritude. Também é necessário oferecer um futuro diferente.
Na opinião do autor Fábio Kabral, a população negra já vive
uma distopia. Para Kênia Freitas: “para as populações negras que sobreviveram à
escravidão, ao colonialismo europeu e ao processo de globalização, o apocalipse
já aconteceu (e segue sendo experienciado há séculos)”. Logo, não faz sentido
pensar em distopia para quem já vive num mundo extremamente racista e o
afrofuturismo surge como uma possibilidade de um futuro utópico, onde o povo
negro pode viver sem a sombra constante do racismo em suas vidas.
Sun Ra acreditava que nosso mundo era impossível de mudar, então a
solução para a população negra era ir para o espaço e colonizar outros
planetas. Obviamente não se trata de uma solução real para o mundo real, mas de
um exercício de imaginação a respeito de como seria um mundo perfeito do ponto
de vista negro. O que Sun Ra oferecia era uma utopia para afro-americana.
Sun Ra |
O afrofuturismo tem raízes longas nos Estados Unidos, tal
qual a própria ficção científica, que se desenvolveu primeiro nos países que se
industrializaram mais rapidamente. No Brasil, autoras como Octavia Butler foram
traduzidas apenas recentemente e o termo ainda é desconhecido por muitos aqui,
o que não significa que não existam artistas que trabalhem com este conceito. O
já citado Fábio Kabral lançou o livro O Caçador Cibernético da Rua 13, que é
totalmente inspirado nas culturas africanas. Karol Conká costuma associar
tranças coloridas com batons metalizados e roupas e adornos que remetem
diretamente à cultura africana mas ao mesmo tempo tem uma pegada futurista.
Ellen Oléria lançou um álbum intitulado Afrofuturo que também traz essas ideias e referências.
Não surpreende que em um país com maioria de população
negra, a ideia de um futuro onde negros existem, têm agencia e são os donos do
mundo onde vivem esteja conseguindo tanto apelo rapidamente.
PARA SABER MAIS:
Você sabe o que é afrofuturismo? - Canal Carol Cotes
O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus
Afropessimismo - as distopias do presente - Kênia Freitas e José Messias
Dossiê Afrofuturismo: saiba mais sobre o movimento cultural - Geledés
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