[Burning Bujo #1] Bem-Vinda à curadoria!
Por Anne Caroline Quiangala
Curadoria é uma palavra derivada do latim que tem em sua raiz o sentido de cuidado, coração e afetividade. Assim como "decorar" significa guardar no coração, isto é, dar importância ao que absorvemos do mundo exterior ao nosso corpo e subjetividade (pra usar o conceito de Austin Kleon, "roubar como um artista"), curadoria requer identificação, cuidado e paixão.
Na acepção corrente, curador é a figura que supervisiona exposições de arte e produz um estudo arrojado, original e sofisticado pra justificar suas escolhas e (tentar) dissipar a ideia de que são arbitrárias ou interessadas. Sendo assim, afirmar-se curadora pode soar petulante - sobretudo - pra quem não chegou ao máximo da educação formal.
Apesar do que possa parecer, fazer a mesma coisa não significa ser igual. Jamais seremos iguais a alguém (o que é ótimo). Isso significa que reunirei aqui nesta coluna ideias, referências e processos, farei uma curadoria. No entanto, ela é muito mais que "colecionar o que eu gosto": é compartilhar ideias de forma dialógica (e espero que você se sinta a vontade para acrescentar e propor!).
Mas antes disso, queria contar pra você
DE ONDE EU VIM
Mas antes de continuar, eu preciso confessar que meu sonho já foi ser ilustradora e quadrinista. Já fui ao fundo do poço da barganha dos "talentos" buscando trocar a "facilidade" verbal pela imagética, mas o indeferimento é evidente. Anos se passaram e, quando eu "abri mão" de ideias equivocadas sobre tudo isso e superei as aulas de arte na escola, saí da caverna com a cabeça erguida e pronta para testar escalas, superfícies e materiais. Aliás, tão logo eu ingressei na universidade, passei a emendar cursos e oficinas gratuitas de pintura, gravura e cinema no Centro Cultural Renato Russo aqui em Brasília. Ali, o simples fato de ter uma rotina criativa, somado à preocupação com uma exposição me forçaram a investir tempo e energia em procurar o meu traço.
Aliás, uma coisa importante a dizer pra quem acredita que não sabe desenhar é que, você sabe desenhar sim. Primeiro porque desenhou a infância toda; segundo, a escrita é traço e desenhos são conjuntos de traços. Talvez você não saiba desenhar COMO sua ilustradora favorita, mas isso significa que você tem uma jornada em busca do seu Graal, o seu próprio traço. Quando você desfoca sua atenção de outras expressões e foca na sua, fica mais fácil se engajar. Voltando.
Passei uma vida de julgamento, desenhos "feios" e um esforço para encontrar minha voz por meio do desenho. Neste caminho, colecionei referências artísticas, filosóficas, correspondências e conversas com amigas artistas sobre "por que quem lê, não desenha? Por que quem desenha não escreve?". Em meio a esse questionamento, trabalhei como mediadora da exposição individual da Maria Bonomi no CCBB Brasília. Por meio do estudo de seus processos, pensamento e conceitos, conversa e, por fim, a visita ao seu ateliê e obras públicas distribuídas por São Paulo, eu fiz uma trajetória completa do que eu estava buscando todo esse tempo.
Responder àquelas questões era fácil, e soube disso quando li Diálogo-Desenho (Marcia Tiburi e Fernando Chuí), Degas Dança Desenho (Paul Valery) e muita poesia marginal (1970). Eu comecei a estudar como escritores desenham (de Victor Hugo a Sylvia Plah, porque os da Virgínia Woolf não apareceram no Google) e o contrário; algo da Tarsila do Amaral, a própria Bonomi, Van Gogh. O mistério se desfez na convivência com, particularmente três amigas que são artistas.
A primeira, escreve particularmente bem, embarcou comigo nas reflexões sobre escrita e desenho, e conseguiu desenvolver as habilidades artísticas em campos distintos, unidos pela sinestesia: Loren Bergantini.
A segunda, trouxe-me a legitimidade do prazer impresso na repetição. Se você dedica tanto tempo numa atividade, talvez o problema não seja o produto, mas o modo como você e seu instinto julgador lidam. O prazer e a qualidade do acabamento dos trabalhos dela são auto-evidentes. Como pode-se dizer que não é uma artista, se ela realmente não está no século 16, tampouco deseja dizer algo com um realismo puro? Ela, Dani Dumulain, foi a pessoa-chave para a minha Zine (Em busca de Habitação, 2013) ter saído da cabeça e dos cadernos e se tornado realidade.
A Dani também foi curadora do meu projeto para a Bonomi. Naquela equipe, todo mundo foi direcionada a produzir algum material artístico para a artista, para retribuir sua gentileza, a disposição para o dialogo conosco e comprometimento com o processo educativo em si. O objetivo não era impressionar uma artista tão experiente, nem buscar algo único; a jornada de cada uma de nós era de encontrar e oferecer o melhor do que possuímos: nosso traço, expressão e perspectiva. Eu não achei que fazia sentido eu desenhar pra ela, e também, ela era amiga íntima da canônica Clarice Lispector. Mas a Dani não me deixaria desistir. Assim, costurei um caderno, fiz umas ilustrações e um texto sobre gestualidade, o tato e os materiais de desenho como extensões do sentido.
Completando a tríade, e mega importante por ter trazido o conceito de sketchnote à minha vida, a minha amiga ilustradora e escritora Dayla Duarte. Ela observou que eu sempre tinha um caderno à mão, onde anotava tudo, além de que eu desenhava bastante. Ela então me emprestou um livro incrível chamado An Illustrated Life: drawing inspiration from the private sketchbooks of artists, illustrators and designers: O jogo virou aí.
O livro que redefiniu minha trajetória de "pessoa que escreve" |
PRA ONDE VAMOS
Sempre fui muito segura escrevendo, e a escola sempre me levou pra este lado. Usei o "sempre" porque é o que há no fundo das minhas memórias. A habilidade de comunicação verbal, eu não percebi, mas era aperfeiçoada por meio de leitura, interpretação, pesquisa, Barsa (muita Barsa). O meu interesse por desmontar e montar objetos evoluiu para o hábito de desmontar o que eu consumia, muitas vezes explodindo a mente. E fica o convite pra essa viagem mensal, nessa coluna sobre ideias, criatividade, organização, escrita e desenho. Fique à vontade pra propor temas, ideias e compartilhar suas questões, angústias e dúvidas neste campo! Até o mês que vem!
Se curtiu alguma das indicações de livros, compre no nosso link:
- Roube como um artista (Austin Kleon)
- Roube como um artista - Diário (Austin Kleon)
- An Illustrated Life: drawing inspiration from the private sketchbooks of artists, illustrators and designers (Danny Gregory)
*Obrigada à Madrinha Paloma Santos pela sugestão do nome da Coluna e pelo apoio!
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