Quem tem medo do feminismo negro? (Djamila Ribeiro)






  • Quem tem medo do feminismo negro?
  • Djamila Ribeiro
  •  Editora Companhia das Letras 
  • 148p.
  • 2018


  • por Anne Caroline Quiangala

    "Quem tem medo do feminismo?" é uma seleção de artigos de Djamila Ribeiro publicados na Carta Capital entre 2014 e 2017 revisitado. Pra quem não sabe o que e Feminismo Negro, ou acredita que ele é uma "luta identitária" é uma leitura urgente. Pra quem está familiarizada com autoras como Audre Lorde, Grada Kilomba, bell books e Lélia Gonzalez é uma obra imprescindível.

    Diferente do livro anterior, O que lugar de fala, em Quem tem medo do feminismo negro, temos uma modalidade mais próxima e menos descritiva. Ribeiro inicia com uma introdução magnífica a respeito de sua trajetória afetiva, pessoal, escolar e política (strito sensu), num mergulho teórico sobre o concreto. A descrição de violências serve para dar nome à experiência coletiva, como um farol pra quem está imersa sem compreender a historicidade deste sofrimento especificos. Aos homens negros, a introdução é de grande valia pra compreender objetivamente a importância de a luta antirracista ser pensada de um lugar mais plural no ativismo negro. 

    Isso que chamei de "mergulho teórico no concreto" se reflete na estrutura do livro, que não se encerra numa discussão apenas teórica. Ele traz a teoria como ferramenta de compreensão do real aqui/agora, como os casos de racismo sofridos por Maju Coutinho, Serena Williams e Aranha; a indignação seletiva (e racista) na base do projeto de lei que tinha em vista a proibição de sacrifício ritualístico de animais; Djamila Ribeiro também problematiza o ativismo estritamente digital, declarações absurdas que as autoridades e celebridades não cansam de proferir em alto e bom som.

    Mas Ribeiro não apenas aponta o problema, como analisa o conteúdo, separando as partes, desmistificando as camadas e cruzando com as referências teóricas e artísticas, para no fim, sintetizar num movimento generoso de oferecer a quem está lendo um espaço de questionamentos, de uma busca autônoma de resposta que encerre (ou não) para cada pessoa.

    A cada artigo, que no geral, tem até três páginas, um problema do cotidiano é descrito e analisado a partir Duma abordagem feminista negra trazendo assim o leigo para próximo, para fornecer ferramentas e dar sentido aquela máxima "o pessoal é político" neste contexto.

    Inspirada por Grada Kilomba - que participou de uma entrevista com a autora, transcrita no livro - Djamila Ribeiro evidência a conexão entre a consciência negra e os passos efetivos para a mudança. A arte funciona como mola propulsora do autoconhecimento, desmistificação e aponta para a restituição do Eu (no sentido psicanalítico) do sujeito negro, que vive "em  relação" ao olhar do outro, o Branco. Para esta reflexão ela faz uso do conceito de "máscara" que Kilomba usou em seu Plantation Memories (2015).

    Explorando a "força da falta" de reconhecimento, inviolabilidade, e oportunidade como combustível de luta por direitos Djamila Ribeiro localiza sua perspectiva e legado, desmistificando a ideia de neutralidade ainda forte no imaginário brasileiro.

    Ao nos convidar à refletir sobre as raízes das desigualdades, as ferramentas que as legitimam e mantem, a filósofa também nos convida a imaginar e lutar por um mundo "onde existam outras possibilidades de existência que não sejam marcadas pela violenciv do silenciamento e da negação" (Ribeiro, p. 27). Ou seja, o feminismo negro não é nem uma luta contra identidades, nem uma reafirmação pura e simples de identidade. 

    O feminismo negro é uma prática alicerçada na teoria e metodologia que têm em vista a construção de novas bases sociais, o que perpassa questões como a destruição da mentalidade punitivista (sistema prisional), o fim do racismo, sexismo, homofobia, especismo, classismo e todo e qualquer "ÍSMO" que o sistema capitalista usa para explorar, violentar e converter sujeitos em mercadoria. Quem tem medo do feminismo negro é o cidadão privilegiado, ou aquele excluído que não entendeu sua condição, o alienado.

    Já que quem tem medo do feminismo negro, ou nada sabe a respeito, ou parte de premissas falsas, em ambos os casos a leitura é  bastante recomendada, simples assim. Pra quem conhece, tem nesta obra uma oportunidade de refinar a aplicação do método e amplificar a conexão consigo mesma.

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