Joker: carta fora do baralho
por Dê Ferreira
Esse texto apresenta Spoilers
Coringa (Joker) é um filme do gênero drama/suspense, dirigido por Todd Phillips, com roteiro de Todd Phillips e Scott Silver e música composta por Hildur Guðnadóttir. A live action conta "a história" de Arthur Fleck, um homem, branco, pobre e com a saúde mental fragilizada, cuja vida fora marcada por contextos de violência doméstica, bullying entre outros marcadores sociais das diferenças.
A trama traz às telas o processo de transição que marca a transformação de Arthur em o Coringa (Joker), um dos mais famosos vilões do Universo da DC (DCU). O roteiro, a trilha sonora e a direção de arte formam um conjunto de elementos de uma maneira bastante fluida e em sincronia com o conceito do filme, que é pautado na reflexão sobre o quanto um dia ruim, ou uma sucessão deles pode mudar nossas vidas.
A trilha sonora é envolvente, caracterizada pelo contraste entre a suavidade do jazz clássico e a obscuridade e introspecção entoada por riffs e fraseados tocados por instrumentos de cordas friccionadas. Essa analogia também pode ser percebida por meio da escolha das cores predominantes em determinados momentos do filme. Aliás, a paleta de cor selecionada pode ser facilmente percebida no processo de desenvolvimento do personagem.
Em um convite à loucura, Joker canaliza temas como questão social, conflito de classes, saúde mental, questões de ordem moral e apresenta em discurso, sonoridades, colorimetria e imagens, sobre uma nova perspectiva a respeito do vilão.
Vejamos a seguir:
Smile
Sorria, (Smile) uma canção composta em 1936 por Charlie Chaplin, aparece no filme como citação musical, e é a música de fundo presente em seu trailer.
A música fala sobre sorrir, independente do que esteja acontecendo, e bem sabemos que uma das principais características do vilão é sua risada eloquente; em Joker, (2019) elas são justificadas como um distúrbio/um transtorno de expressão emocional.
Pode-se entender que a música para o cinema, ou a composição de uma trilha sonora é dos efeitos que leva o espectador a um maior estado de envolvimento, ao menos é o que se espera da utilização de sons e músicas no cinema. Segundo Eugênio Matos (2014): "A música do filme pode ser compreendida como um amplificador de emoções, fazendo o bucólico parecer mais bucólico e a aventura parecer mais excitante."
Esses aspectos podem ser percebidos no filme que, apesar da referência da canção de Chaplin, contou com a organização e composição da trilha sonora da Islandesa Hildur Guðnadótti, sob os timbres de instrumentos de cordas friccionadas e piano executando um arpejo na escala menor. Vale salientar que a escolha da tonalidade da música, interfere diretamente nos sentimentos e sensações captados pelo espectador
- Ficou curiosa como esses elementos da música podem interferir percepções no cinema? Este será tema de postagens futuras, por enquanto, ficamos por aqui e retomamos para dizer: a trilha segue fielmente o conceito e demarca sutil e intensamente o enredo do filme!
Insanidade em cor e ação
A paleta de cor apresentada no filme é vinculada à composição do figurino do coringa. propositalmente ou não, as cores foram acrescentadas ao filme de acordo com o processo da transformação de Arthur em o Coringa. Seguindo a ordem de aparição/notoriedade tem-se 1) amarelo + azul, 2) alaranjado + vermelho e 3) verde.
Amarelo e azul
É notória a cena na qual Arthur, ainda como palhaço, está trabalhando no centro da cidade. Diversos elementos como luzes, placas, figurinos e cenários aparecem predominantemente sob tais cores. O Amarelo: representa a inspiração, luz, otimismo, enquanto o Azul é o seu oposto: serenidade, frieza, monotonia e depressão. Vinculando esta parte do filme com tais cores, é possível notar que Arthur vive uma situação de conflito - neste momento ele é um adulto, num contexto de vulnerabilidade social, responsável pelos cuidados de sua mãe que, assim como ele, estão com a saúde mental fragilizadas. Nesta passagem, as cores reiteram que os âmbitos social, político e econômico não ofereciam perspectivas de melhora no contexto vivido pelo personagem.
Quando as cores predominantes mudam para o Alaranjado e Vermelho, Arthur encontra-se em um período ainda mais crítico da transição. Isso é reforçado pelo significado do Laranja: sucesso, prosperidade, sucesso, energia e entusiasmo e se intensifica com o do Vermelho, que simboliza a energia, perigo, força, poder, intensidade emocional. Ironicamente, era para Arthur estar bem, no entanto, é nessa parte que ele comete os primeiros homicídios, e, diferente do esperado, baseado em seu perfil de passividade e por quê não, amabilidade ele se sente bem com o feito, ele sente o gosto do sucesso e da visibilidade, algo jamais vivido por ele.
A inserção de ambas as cores na paleta do filme, refletem a fase em que Arthur ganha notoriedade por meio dos crimes que ele cometeu. Ele passa a se sentir parte da sociedade e não só isso: ele desenvolve maior confiança, sentimento de poder e entusiasmo.
Verde
A última das cores - finalizando o processo de transformação, antes Arthur e agora, Coringa (Joker) fortalecido com o poder do reconhecimento, da visibilidade, - a cor verde, aparece no cabelo do personagem. Fechando a paleta de cores, o verde representa a liberdade, a vitalidade, a renovação, a plenitude.
Eis o Gran finale: surge um vilão sem nada a perder.
Joker estreia de corpo, alma e figurino.
A carta da vez: Coringa, o sádico
Em termos de nerdianidade, vemos o momento de transição entre um homem comum tornando-se em um vilão. Coringa é um homem deprimido que encontra no sadismo uma visibilidade e poder jamais vivenciado por alguém como Arthur.
Existem várias possibilidades sobre as origens do Coringa, ele mesmo brinca com isso na animação "Piada mortal", então não se sabe ao certo qual é a versão real. Entre os vários elementos que permeiam essa história, sem dúvidas, a questão do estado de adoecimento mental versus questão econômica são marcadores diferenciais no filme. Com tais questões reforçam alguns fatos como um viés anarquista e com uma maior identificação com o vilão, por parte das classes economicamente menos favorecidas. Característica, também presente no filme, visto que Arthur torna-se um símbolo para grandes manifestações contra o sistema, as lideranças de Gotham e contra grandes empresários como Thomas Wayne.
Em suma, a questão é que Arthur ficou louco, passou por uma série de dias ruins e tornou-se um vilão sádico, digno de um filme só seu.
Textos Consultados
Coringa. Disponível em: <www.adorocinema.com/filmes/filme-258374/>. Acesso: 29/9/2019.
Coringa, trilha sonora. <ovicio.com.br/coringa-trilha-sonora-do-filme-sera-composta-por-hildur-gudnadottir/>. Acesso: 29/9/2019.
LURKER, Manfred. Dicionário de Simbologia: São Paulo, 1997
Material de apoio da disciplina Teoria Aplicada ao solfejo. Marcelo Ramos. CEP EmB. <mundocriativomusical.blogspot.com/?m=1>.Acesso: 01/10/2019.
MATOS, Eugênio. A arte de compor música para o cinema. Brasília: Editora Senac, 2014.
Significados. <www.significados.com.br/>. Acesso: 02/10/2018.
Smille. composição de Charles Chaplin - 1936. <m.letras.mus.br/charles-chaplin/903366/traducao.html>. Acesso: 01/10/2019.
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