Entre lobos e vampiros, que tal o senso crítico?
Por Débora Machado
Todos nós temos um filme ou série que, apesar da qualidade duvidosa, está sempre presente em nossos corações. Pode ser aquela obra de fantasia, um romance, aquele filme de ação ou, até mesmo, a série de nosso herói favorito: é difícil separar o sentimento de apego do olhar crítico.
No último
domingo, finalizamos a primeira temporada do #PretaWatch (projeto este que
revisita e discute em conjunto obras cinematográficas) e, após cinco semanas,
concluímos a tão criticada - e porque não amada - saga Crepúsculo, romance que
arrebatou fãs no mundo inteiro ao contar a história de amor entre a humana
Bella e o vampiro Edward.
Apesar do
sucesso estrondoso, a obra recebeu muitas críticas e nos mais variados
aspectos: atuações a desejar, história ruim e sem nexo, efeitos visuais fracos
entre tantos outros pontos que ficaríamos um longo tempo elencando. Apesar desta
lista extensa, a maioria das críticas, se não todas, envolviam somente aspectos técnicos da obra, deixando à margem temas sociais importantíssimos que a saga
apresenta, porém não se aprofunda.
Já
imaginaram discutir especismo em Crepúsculo? Violência obstétrica, narcisismo,
maternidade, relacionamento tóxico, discurso político, estereótipos? Esses e
outros temas foram amplamente debatidos nos últimos episódios do #PretaWatch,
elevando o potencial crítico do filme que, apesar de não se propor a abordar
efetivamente estes temas, expandiu as discussões tanto da saga quanto de outras
produções disponíveis para audiência.
Ao longo
desta temporada, surgiu também a discussão sobre a nossa responsabilidade em
absorver produtos problemáticos e nosso papel em alavancar a audiência destas
obras. Eu fui uma fã da saga. Li os livros, vi os filmes no cinema e reconheço
que a qualidade era duvidosa, ou seja, é um tipo de obra que me referia no início
do texto. Entretanto, confesso que até o #PretaWatch não havia ligado os pontos
de tão problemática é a história e a produção em si.
Nunca
imaginei que discutiria em Crepúsculo temas como a sexualização e marginalização
dos povos racializados, a supremacia dos (literalmente) brancos, a violência
obstétrica, abusos, a ausência de apego à família e a falta de
propósito de vida. Finalmente este guilty pleasure trouxe profundidade aliado
ao entretenimento para mim.
Cena de Amanhecer - Parte 2: Saga Crepúsculo (Fonte: Divulgação)
Mas precisamos
ter sempre essa discussão aprofundada ao invés de meramente escolher entre
lobos e vampiros? Pois bem, vem ano, sai ano e a quantidade de produções
cinematográficas é crescente. Impulsionados nos últimos tempos pelos serviços
de streaming, a quantidade de filmes e séries não é proporcional a qualidade apresentada
e então somos ainda mais imersos por produções de fácil disponibilidade, porém em sua maioria sem análise crítica e o mínimo de aprofundamento de personagens e enredo.
Precisamos
boicotar este tipo de produção? Creio que não. Muitas vezes, se faz necessário um
entretenimento visual que não exija todo um embasamento e discussão. Entretanto,
penso que devemos ter senso crítico para identificar as problemáticas deste tipo
de produções, não apenas assistindo sem o prisma das questões sociais, raciais
e políticas. Além disso, é necessário questionar se realmente damos espaço e visibilidade para obras que de fato discutam problemáticas e aspectos pertinentes da nossa sociedade e, sobretudo, produzidos e protagonizados por entes de fora
do conjunto dominante, porque se queremos ver mudança e/ou histórias diferentes,
precisamos também demandá-las.
O que tenho
certeza é que depois do #PretaWatch nunca mais verei minhas “farofas” preferidas
como antes, pois o desenvolvimento crítico através da discussão coletiva me
incentivou a ir além do horizonte do que se apresenta em tela.
O projeto #PretaWatch é realizado todos os domingos, a partir das 17h, no nosso canal da Twitch.
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