Vitorianas Macabras: clássicos de horror através dos séculos


por Camille Legrand

Nada melhor que histórias de terror para entrar no clima – mesmo que não comemorado no Brasil – do Dia das Bruxas. Entre seu grande catálogo de títulos, a Darkside Books disponibiliza a coletânea de contos de terror de autoria inteiramente feminina, “Vitorianas Macabras”. Nomes conhecidos como Charlotte Brontë e May Sinclair se unem a autoras de pouca fama, mas imenso talento, no conjunto de tramas macabras e sobrenaturais. É difícil, na verdade, aceitar que se trata de uma coletânea de contos do século XIX, tamanha é a facilidade de leitura e entretenimento, e não de uma moderna trama única – apesar das claras distinções em cada conto.

Tempos de Melancolia

O prólogo de Marcia Heloisa (“Vitoriosas”), de fato, já nos avisa que não se trata de uma obra comum. As autoras, e suas narrativas, por conseguinte, estão inseridas na lúgubre Era Vitoriana a qual, Heloisa ressalta, se estendeu além dos anos de reinado da famosa Rainha Vitória (1837-1901) e pintou de preto todo o século XIX. Antes ativa e apaixonada, a morte de seu amado marido, o príncipe Albert (1819-1861), a transformou em uma figura triste, solitária e opaca, assim como os modelos de vestimenta que passou a adotar. Seu estilo influenciou, da mesma forma que seu vestido de noiva anos antes, o restante da nobreza e das demais camadas sociais da época, tanto em áreas esperadas, como vestuário e estética, quanto em áreas inusitadas como a literária.

A nova face da monarca – e seu interesse pelo macabro, em uma busca em manter o contato com o falecido marido – mudou o grau de aceitação da sociedade a assuntos relacionados ao sobrenatural, bem como fez crescer o número de meios de consumo relacionados ao tema, como livros, peças de teatro, sessões espíritas etc. Foi nessa época, inclusive, que surgiram os penny dreadfuls (romances baratos de crime ou outros temas violentos), conhecidos do público brasileiro em razão da série de mesmo nome. Assim como esses pequenos pedaços de literatura, os contos da coletânea em questão estão cheios das mais diversas aventuras sinistras, repletas de aparições inexplicáveis e de eternos mistérios envolvendo o sobrenatural.

Tal como os protagonistas das tramas, diversos em idade, classe social, regionalidade e sexo biológico, a plateia literária sente o peso do desconhecido a cada virada de página. Independente da autora, o sentimento de profundo desconforto é latente e invade a mente – seja em uma mansão na qual uma porta parece se recusar a manter-se fechada, no interior da Inglaterra, ou mesmo em meio em uma festa, através de uma janela (que talvez nem seja uma janela – uma pintura em uma parede?) – sendo praticamente impossível se desvencilhar do misto de melancolia, paranoia e medo carregado na coletânea. Ao ler, é prudente ter cuidado para não se envolver demais (apesar de parecer impossível), caso contrário não seria surpresa começar a ouvir passos às suas costas.

Terror não é substantivo feminino, mas assombração é  

O terror é, e não poderia ser diferente, o ponto em comum entre os contos. Histórias envolventes de fantasmas, demônios, almas penadas ou mesmo santos incompreendidos são escritas e descritas com tamanha facilidade – ressaltando-se a maestria da tradução – e de forma primorosa, que é fácil esquecer as dificuldades e particularidades enfrentadas por algumas das autoras. De fato, não fosse a criativa e sábia decisão da editora em adicionar um pequeno perfil de cada autora antes de seu respectivo conto – e com seu signo solar, curiosamente – suas tramas particulares seriam esquecidas por completo. Toda a edição, a propósito, traz deliberadamente o ar soturno da Inglaterra do século XIX, através, principalmente, de anúncios da época colocados entre as páginas da coletânea e pelas inúmeras ilustrações certamente desaprovadas pela Igreja. 

Enquanto algumas autoras nasceram e permaneceram em meio a alta classe da sociedade inglesa, tendo um caminho mais simples até a publicação de seus contos – usualmente em periódicos pertencentes a suas próprias famílias – outras percorreram um caminho mais duro, repleto de tragédias pessoais. Algumas, como Amelia B. Edwards, se envolveram em assuntos políticos, ainda um tabu para mulheres na época, em especial o excludente movimento sufragista. Por outro lado, outras, como Charlotte Riddell, se limitaram a reclusão quase que absoluta, atentando-se em especial para a literatura.

A misteriosa H. D. Everett inclusive, cuja própria foto na coletânea demonstra sua natureza enigmática, foi uma das muitas autoras dos séculos anteriores que foram obrigadas a usar um pseudônimo masculino para garantir a leitura e eventual publicação de suas narrativas. Ocorre que a autoria feminina ainda era vista com olhos desconfiados e pintados de misoginia, por vezes limitando-as a escrita de romances melosos e passionais, sem lugar para o sobrenatural. Mesmo que não propositalmente, portanto, as autoras da obra – e tantas outras que não estão inseridas na coletânea ou que sequer se conhece – desafiaram a sistemática da época e se colocaram no renomado cenário literário sob o cinza céu inglês.

Halloween em livro?

A vantagem de coletâneas é a variedade de títulos, por certo, mas será que vale quando é de mesmo gênero? Nesse caso, com toda a certeza. As tramas – e a ambientação realizada na (como sempre) belíssima edição da Darkside – conquistam e prendem com facilidade e destreza, bem como saem das páginas e se inserem no cotidiano de quem lê.

O sentimento melancólico da coletânea atinge seu ápice na página final. O ar opaco, entenda, já foi transferido ao público e o mistério tornou-se viciante. Seja em meio ao mês do horror, em um dia chuvoso ou em uma tardezinha ensolarada, a leitura é uma aposta certeira ao entretenimento e, de quebra, ao aumento dos conhecimentos históricos referentes à Inglaterra do século XIX. Os mistérios das autoras – tanto em relação a seus contos quanto a elas mesmas – permanece relevante dois séculos depois de seus respectivos lançamentos, bem como integralmente recreativos. A obra, em sua magnitude, é leitura obrigatória aos fãs de horror e já atinge o patamar de clássico do gênero.  

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