7 Livros sobre autismo para pessoas adultas diagnosticadas tardiamente
por Anne Quiangala
Atualmente, as discussões sobre neurodivergência - um conjunto de variações neurológicas atípicas - têm assumido uma centralidade interessante nas redes sociais a ponto de possibilitar um alto grau de conscientização. Já o termo neurodiversidade, cunhado pela socióloga Judy Singer em 1998, é uma excelente maneira de contextualizar o fato de que, sim, cérebros não são iguais, porém, há um conjunto de variações específicas, a respeito da sociabilidade, aprendizagem, humor, cognição, atenção e funções executivas que destoam do que é construído socialmente como padrão (neurotípico) causando sérios prejuízos aos indivíduos neurodivergentes, também chamados neuroatípicos.
A maioria das pessoas, ao se referirem a neurodivergentes, geralmente opinam a partir de características estereotipadas de indivíduos com Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA), como se suas perspectivas sobre tais transtornos representassem a totalidade do mundo neurodivergente. Porém, é importante adicionar à compreensão de neurodivergência a Superdotação, a Dislexia, a Síndrome de Tourette, a Discalculia, a Disgrafia, a Deficiência Intelectual, bem como transtornos que tem sido ainda mais estigmatizados, como o Transtorno Bipolar, o Transtorno de personalidade Narcisista, a Esquisofrenia e o Borderline. Não esgoto aqui a lista, mas com esse panorama quero enfatizar que a neurodiversidade é realmente plural, e que hierarquizar transtornos não é um caminho interessante para conquista de direitos e de qualidade de vida para todo mundo.
Autismo é um espectro e o racismo é estrutural
Dito isso, podemos pensar em três pontos importantes para conversas sobre autismo. O primeiro é que as críticas sobre "lauditização da vida" (a transformação de características da vida comum em laudo) , "lobby da indústria farmacêutica" (conspiração para venda de medicamentos) e "epidemia" (suspeita sobre uma ideia de que AGORA todo mundo é autista ou tem TDAH) deveriam partir de uma perspectiva realmente anticapitalista e anticapacitista, ancorada num conhecimento sobre a história da psiquiatria, da estigmatização dose tratamentos antiéticos de pessoas com transtornos e doenças mentais. Existem sim críticas válidas aos critérios do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e ao modo como o mercado transforma questões humanas em produto, mas é preciso ter honestidade intelectual, ética e pesquisa para elaborar uma crítica consistente.
O segundo é entender que a história do diagnóstico de autismo partiu de um paradigma de "condição infantil", masculina e branca, desencadeada pelo ambiente inadequado construído por "mães pouco afetuosas" (sem muito questionamento sobre os pais e redes de apoio dessa mãe) e de leituras estritamente psicanalíticas; além disso, foi sistematizado de modo excludente, observando o fenômeno a partir de experiências de um grupo específico de sujeitos, padrão este reiterado pela cultura pop através de representações de personagens de filmes e séries de TV "socialmente inaptos, porém geniais". Se Sherlock (Cumberbatch) fosse uma mulher Negra você seria amiga dela? E se Sheldon ou Sam Gardner fossem mulheres (cis ou trans), lésbicas, gays, não-bináries, além de negras, tais personagens teriam tanta aceitação popular? Seriam vistas como pessoas assertivas, geniais ou raivosas?
Em seu texto Autistic while Black: how autism amplifies stereotypes (Autista, ao mesmo tempo que negra: como autismo amplifica estereótipos), a assistente social Catina Burkett compartilha sua experiência:
Pessoas autistas podem parecer obstinadas ou reagirem lentamente em novas situações. Quando eu sou inflexível, sou muitas vezes chamada de pouco amigável, insubordinada, preguiçosa, agressiva ou incontrolável. Quando eu preciso processar uma situação antes de respondê-la, alguns me descrevem como excessivamente quieta, como uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer instante. Em outras palavras, mesmo quando eu não valido os pressupostos das pessoas a meu respeito, elas encontram um modo de demonizar o meu comportamento. (BURKETT, 2020 - trad. minha)
Apenas recentemente, com a atualização dos critérios, mulheres, LGBTQIAP, pessoas racializadas e da classe trabalhadora passaram a ser diagnosticadas com TEA com mais frequência, mas, apesar de observarmos um crescente número, especialmente nas redes sociais, vale salientar que as histórias de diagnóstico equivocado - geralmente estigmatizante - é uma experiência comum para grupos socialmente excluídos. Também cabe salientar que a avaliação neuropsicológica também não é acessível para a maior parte da população, e mesmo assim, investigar não garante diagnóstico correto.
O imaginário sobre autistas serem homens brancos "assertivos" e "geniais" faz com que outros grupos, mesmo quando apresentam as mesmas características, tenham como hipótese transtornos de personalidade, fibromialgia e transtorno opositivo desafiador (TOD), mas não altas habilidades, superdotação ou autismo. Isso ocorre porque somos levadas a camuflar (masking) nossos traços de forma consciente e inconsciente para caber em expectativas sociais, mas também porque ainda existe um senso comum sobre transtornos que são vistos de modo mais "positivo".
Em terceiro lugar, afirmações de que "cada cérebro é único" ou mesmo que "todo mundo é um pouco autista" costumam vir de pessoas que desconhecem o que é TEA, e, especialmente o fato de que o diagnósitico precisa concluir que os traços autísticos (também chamados de sintomas) precisam estar presentes ao longo da vida, e de modo a causar prejuízos sociais. Embora os cérebros sejam únicos, e individuos sejam constituídos de subjetividades, e portanto, não sejam definidos estritamente pela violência que sofrem (racismo, lgbtfobia, gordofobia etc) há grupos que apresentam um conjunto de características e que precisam de suporte e acomodações. Negar isso é criar uma barreira para esses indivíduos se desenvolverem dentro de seus poteciais e negar a experiência de exclusão, prejuízo profissional, físico (saúde) e social.
Diagnóstico tardio
Grande parte da crítica ao aumento da visibilidade e conscientização do autismo se origina no desconhecimento e de uma cultura da desconfiança conspiratória, que não busca se informar, consome veículos supostamente críticos, fake news e opina a partir disso. Alimentos, vacinas e telas NÃO causam autismo. Vale lembrar que autismo é um transtorno no neurodesenvolvimento, portanto nascemos com a condição e ela é permanente; não é doença, portanto, não tem cura. Embora se manifeste de forma complexa em cada indivíduo, toda pessoa autista é diagnosticada, conforme o DSM-5 a partir de graus de suporte. Pessoas com nível 1 de suporte, apresentam grande independência e podem passar por diversas experiências de isolamento, violências e ansiedade sem ferramentas adequadas. E é quando os obstáculos ultrapassam a camuflagem e as estratégias não dão conta de esconder a dificuldade, que a pessoa colapsa e se aproxima do processo de investigação e diagnóstico.
Embora ter uma deficiência psicossocial não seja "legal", porque indica diversos prejuízos na vida prática, mercado de trabalho e estudos, é apenas por meio do diagnóstico que podemos obter ferramentas, acomodações e um real bem-estar. Vale lembrar que, assim como qualquer outra deficiência, o que torna o individuo autista inapto é o modo como o as relações sociais, as regras, as convenções não ditas e critérios de produtividade são elaborados.
Como uma autista diagnosticada tardiamente, sei o quanto podemos nos questionar sobre a importância de buscar diagnóstico na fase adulta. Essa auto-problematização é piorada pela falta de treinamento que grande parte dos profissionais da psicologia, da psiquiatria e da educação, que podem ser os primeiros a questionarem nossa motivação em relação à busca pelo diagnóstico, e desvalidar nossos desafios. Existe, entretanto, uma contradição a respeito das pessoas que desvalidam nossa neurodivergência: elas dizem que todo mundo é igual ou que todo mundo é diferente, pra dizer que não tem importância nenhuma ser autista; por outro lado, nos isolam, enganam ou se aproveitam da nossa confiança. E é exatamente por isso que eu acredito que é a partir da autoescolarização que podemos encontrar melhores formas de tratamento, suporte e de autocuidado.
O laudo e mesmo o diagnóstico não mudam a realidade, mas dão contorno e possibilitam que tenhamos ferramentas. As pessoas que nos excluem, manipulam ou riem e reconhecem que somos "diferentes", costumam ser as mesmas que invalidam nossos diagnósticos. Então é essencial buscar autoconhecimento, autovalidação e estudar sobre autismo. Por esse motivo, indico abaixo sete livros que são importantes para conscientização sobre autismo e, sobretudo, para começar sua jornada nessa nova fase de sua vida!
7. Diferença invisível (Mademoiselle Caroline e Julie Dachez)
6. Minha experiência lésbica com a solidão (Kabi Nagata)
5. O Cérebro Autista (Temple Grandin)
4. An Adult with an Autism Diagnosis: A guide for the Newly Diagnosed (Gillan Drew )
3. Spectrum Women: Walking to the Beat of Autism (várias autoras)
2. Exposure Anxiety - The Invisible Cage: An Exploration of Self-Protection Responses in the Autism Spectrum (Donna Williams)
1. The Neurodivergent Friendly Workbook of DBT Skills (Sonny Jane Wise)
CONCLUSÃO
TEXTOS CONSULTADOS
BURKETT, Catina. ‘Autistic while black’: How autism amplifies stereotypes. Disponivel em: www.spectrumnews.org/opinion/viewpoint/autistic-while-black-how-autism-amplifies-stereotypes/. Acesso em 28 abr. 23.
MARTINOVIC, Giulia. Autistas preferem o termo TEA ou síndrome de Asperger? Disponivel em: www.canalautismo.com.br/noticia/autistas-preferem-o-termo-tea-ou-sindrome-de-asperger/#:~:text=Os%20motivos%20s%C3%A3o%20v%C3%A1rios%2C%20como,%2C%20dessa%20forma%2C%20os%20preconceitos. Acesso em 25 abr. 23.
MARTINS, Yasmine. Diferenças entre os termos neurotípico, neurodiversidade e neuroatípico. Disponivel em: autismoerealidade.org.br/2022/07/29/diferencas-entre-os-termos-neurotipico-neurodiversidade-e-neuroatipico/. Acesso em 25 abr. 23.
Comente!