NEUROQUEER: UMA INTRODUÇÃO

Neuroqueer: uma introdução

por Nick Walker

Traduzido por Tainá Elis e revisado por Anne Quiangala

Escrevi e publiquei esse texto, originalmente, na primavera de 2015. Essa é uma versão levemente atualizada. Quanto à versão definitiva e acadêmica desse ensaio, que vem acompanhada de comentários adicionais, pode ser encontrada em meu livro Neuroqueer Heresies (link de afiliada Amazon).

Se você é uma pessoa acadêmica em busca de uma referência definitiva sobre Teoria Neuroqueer e o significado do termo neuroqueer, considere que esta é apenas uma versão rápida de acessível para leigos. Uma explicação definitiva para a Teoria Neuroqueer está no meu artigo consideravelmente longo, chamado “Um Horizonte de Possibilidades: Algumas Notas sobre a Teoria Neuroqueer”, que aparece em Neuroqueer Heresies. Essa é uma fonte essencial se você está escrevendo qualquer tipo de trabalho acadêmico sobre o assunto.

Cunhei o termo neuroqueer em um artigo que escrevi para uma aula da pós-graduação na primavera de 2008. Ao longo dos anos posteriores, eu brinquei com ele em outros artigos da pós-graduação, em conversas privadas e no desenvolvimento contínuo dos meus próprios pensamentos e práticas. O conceito de neuroqueer, ou “neuroqueerzar” [neuroqueering] (eu sempre considerei primeiro como um verbo e depois como um adjetivo), passou a influenciar cada vez mais o meu pensamento, a minha corporificação e a minha abordagem sobre a vida.

Quando eu comecei a publicar partes da minha escrita sobre neurodiversidade em 2012, não estava pronta para colocar o termo neuroqueer para fora do armário ainda. Eu desejava mais tempo para deixar chegar ao ponto, para pensar e sentir meu caminho entre suas nuances e implicações. No começo de 2014, porém, eu o mencionei em um pequeno grupo privado do Facebook para blogueiros autistas e descobri que a minha amiga e colega Athena Lynn Michaels-Dillon também pensou neste termo de forma independente e estava brincando com ele, deixando marinar e pensando em publicar algo sobre isso, eventualmente. Outre queride amigue e colegue, Remi Yergeau, também estava nessa discussão, revelando que mesmo que o termo neuroqueer fosse novo pra elu, vinha pensando em linhas bem parecidas e similares, ao abordar o conceito de “queerdade neurológica” [neurological queerness].

Nós três – Athena, Remi e eu – saímos daquela conversa inspiradas e renovadas para comerçar a introduzir o termo, sistematizar os conceitos e práticas que ele descreve, nos nossos trabalhos públicos, nossas comunidades e numa cultura mais ampla. Athena e eu, junto com nosso amigo B. Martin Allen e outros, encontramos a editora independente e pertencente aos trabalhadores Autonomous Press, e seu selo NeuroQueer Books, que publica livros sobre temas neuroqueer (incluindo a antologia literária multigênero e neuroqueer Spoon Knife).

Enquanto isso, alguns outros membros daquele pequeno grupo do Facebook, que estavam envolvidos na discussão na qual Athena, Remi e eu, descobrimos, pela primeira vez, que estávamos desenvolvendo o mesmo conceito, ficaram tão empolgados sobre a notícia deste novo termo que correram e começaram a espalhá-lo por várias plataformas de mídias sociais. A palavra pegou, muito mais rápido do que seus criadores imaginaram e que nós poderíamos acompanhar. Logo, estava aparecendo não apenas em todos espaços das mídias sociais sobre [as temáticas] queer e neurodivergente, mas também em artigos acadêmicos e apresentações em congressos [conduzidas] por pesssoas de quem nunca ouvimos falar.

(No dia anterior ao que estava escrevendo este texto, eu estava no California Institute of Integral Studies  lecionando em um novo curso sobre neurodiversidade. Ao introduzir aos meus alunos sobre a terminologia básica relacionada à neurodiversidade como neurotípico e neurodivergente, um jovem granduando animadamente me perguntou: “Você já ouviu falar do termo neuroqueer?”).

Foi bom ver o conceito pegar dessa forma. Existe uma forma especial de alegria ao se trazer algo novo para o mundo e ver isto tornar-se significativo para várias outras pessoas que você ainda nem, ao menos, conheceu. Em contrapartida, a palavra foi quase instantaneamente apropriada por pessoas cuja compreensão era muito rasa e simplista do que era a intenção dos seus criadores. Tenho percebido várias interpretações sobre neuroqueer e tentativas de definição de pessoas que adotaram o termo e, às vezes, estas interpretações perdem o ponto de uma forma que mereciam realmente uma chacoalhada. Outras interpretações são um pouco mais precisas, mas rasas, em geral. Eu me encontro respondendo com, “É, bom, suponho que isso é parte do que queríamos dizer…”.

Então, onde nós queríamos chegar? O que é neuroqueer (ou neuroqueerdade [neuroqueerness] ou neuroqueerzar)?

Primeiramente, devo estabelecer para conhecimento geral que qualquer esforço de estabelecer uma definição “autoritária” de neuroqueer é, de alguma forma, ineretemente condenável e ridícula, simplesmente porque o grupo de pessoas que se identificam como neuroqueer e engajam-se em neuroqueerzar tendem a ser pessoas que se deleitam em subverter defininções, conceitos e autoridade.

Dito isso, o oitavo ponto da descrição a seguir é a coisa mais próxima de uma definição “oficial” (ou pelo menos, autorizada pelos criadores) que provavelmente existirá. Eu a escrevi com a ajuda e aprovação dos outro criadores do conceito – então, é uma definição que todos os criadores concordaram ser não só precisa, mas também abrangente de todas as várias práticas e formas de ser que qualquer um de nós três pretendíamos que a palavra englobasse.

Eu, originalmente, concebi neuroqueer como um verbo: neuroqueerzar como uma prática de queerzar [queering] (subverter, desafiar, perturbar, libertar alguém de algo) neuronormatividade e heteronormatividade, simultanemente. Era uma extensão da forma como a palavra queer é utilizada pela Teoria Queer; eu estava expandidno a Teoria Queer conceitualizando o queerzar para englobar a queezagem das normas neurocognitvas, assim como as normas gênero – e, no processo, estava examinando como a neuronormatividade e heteronormatividade socialmente impostas estão conectadas uma com a outra, e como queerzar qualquer uma das formas de normatividade, que são entrelaçadas e combinadas, é queerzar a outra também.

Então, neuroqueer era, inicialmente, um verbo e, como [este neologismo] está enraizado na palavra queer, é também um adjetivo. Mesmo na primeira vezes em que utilizei o termo no artigo de 2008, foi como um verbo e como um adjetivo. Como verbo, ela se refere a uma ampla gama de práticas interrelacionadas. Como um adjetivo, ela descreve aspectos que são associados a estas práticas ou que são resultados delas: teoria neuroqueer, perspectivas neuroqueer, corporificações neuroqueer, narrativas neuroqueer, literatura neuroqueer, arte neuroqueer, cultura neuroqueer, espaços neuroqueer.

Dessa forma, assim como queer, a forma adjetiva de neuroqueer também pode server como um registro de identidade social. Uma pessoa pode neuroqueerzar e também ser neuroqueer. Um indivíduo neuroqueer é uma pessoa cuja identidade, individualidade, performance de gênero e/ou estilo neurocognitivo forjou, de alguma forma, seu compromisso com práticas de neuroquerdade [practices of neuroqueering], independentemente de qual gênero, orientação sexual ou estilo de funcionamento neurocognitivo eles possam ter sido atribuídos ao nascer.

Ou, para colocar de forma mais concisa (ou, talvez mais confusa): você é neuroqueer se você neuroqueerza.

Então, o que significa neuroqueerzar, como um verbo? Quais são as várias práticas que podem ser englobadas na definição de neuroqueerzar?

  1. Ser neurodivergente e queer, com algum grau de conscientização e/ou exploração ativa sobre como esses dois aspectos se entrelaçam e interagem (ou são, provavelmente, mutuamente constituitivos e inseparáveis).
  2. Corporificar e expressar sua neurodivergência de formas que também tornam queer a sua performance de gênero, sexualidade, etnicidade e/ou outros aspectos da sua identidade.
  3. Envolver-se em práticas destinadas a desfazer e subverter seus próprios condicionamentos culturais e hábitos neuronormativos e perfomances heteronormativas, com o objetivo de recuperar a capacidade de expressar mais plenamente os seus potenciais e inclinações únicos e peculiares.
  4. Engajar-se em queerzar o seu próprio processo neurocognitivo ( sua corporificação externa e expressões desses processos) intencionalmente, alterando-os de forma a criar um aumento significativo e duradouro na divergência dos padrões culturais predominantes de neuronormatividade e heteronormatividade.
  5. Abordar, corporificar e/ou vivenciar sua neurodivergência como uma forma de queerdade [queerness] (por exemplo, de forma inspirada ou similar a como queerdade é entendida e abordada na Teoria Queer, Estudos de Gênero e/ou ativsimo queer).
  6. Produzir literatura, arte, estudos acadêmicos e/ou outros artefatos culturais que destaquem experiências, perspectivas e vozes neuroqueer.
  7. Produzir reflexões sobre literatura e/ou outros artefatos culturais, focando na intencionalidade ou não intencionalidade das representações da neuroqueerdade [neuroqueerness] e como essas caracterizações ilustram ou são ilustradas por vidas e experiências neuroqueer reais.
  8. Trabalhar para transformar ambientes sociais e culturais a fim de criar espaços e comunidade – e, em última instância, uma sociedade – nos quais o empenho em qualquer uma ou em todas as práticas acima seja permitido, aceito, apoiado e incentivado.

Então, aqui está [a definição de queerzar] vinda das pessoas que criaram o termo. Novamente, essa definição não é uma “última palavra” oficial sobre o assunto porque isso seria uma tolice. Em vez disso, eu espero que seja recebida como uma uma “primeira palavra” – uma ampla “definição funcional” a partir da qual outras teorias, práticas e brincadeiras poderão surgir.

Feliz neuroqueerzagem!

[Happy neuroqueering!]

O texto original, em inglês, é de autoria da Dra. Nick Walker e está disponível em: https://neuroqueer.com/neuroqueer-an-introduction/. Acesso em 17 Jul. 2025.

A French translation of this piece is available at
https://crashroom.ooo/2024/07/30/neuroqueer-une-introduction/

A Dutch translation of this piece is available at
https://www.neuroqueer.nl/artikel/neuroqueer-een-inleiding

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