MONTANDO O PERFIL NO XBOX 360: CABELUDA DEMAIS PRA EXISTIR?

Imagem de uma personagem negra
Disponível em: AFROPUNK
(Aisha Tyler [1])
 
Dia desses, a desenvolvedora de jogos Shoshana Kessock escreveu um post chamado Gorda demais pra se divertir: vergonha do corpo e cosplay. Nele ela fala de desconforto de ser nerd e Gorda num universo em que é reforçado que não se pode ser mulher, muito menos gorda. Nesse ponto, você pode pensar: quais as personagens gordas nos filmes, desenhos, jogos, bandas de metal mainstream e quadrinhos existem e quantas são inspiradoras a ponto de queremos performá-las?
 
Certamente a determinação, nem sempre silenciosa, de quem pode se divertir sendo cosplay não é o centro do post a seguir, mas o inferno queimando inclui todas as questões de padrão/desvio e performance. O inferno queimando é exatamente isso: um espaço nerd em disputa [2], que certas existências/experiências (tipo ser  Preta & Nerd ou Blerd = Black Nerd) em si já significam “quebrar, matar, destruir” idéias hegemônicas (concepções monolíticas). Os clássicos tão queimando no inferno. Quebrar estereótipos, portanto, é atear fogo ainda mais.
 
 
* * *
 
 
PRIMEIRO OS “TIPOS GERAIS”
 
Depois de escolher o nome do meu avatar, vamos à tela que solicita: “escolha um avatar como ponto de partida” (página 1 de 20).  Para escolher tipos gerais de pessoas que pareçam razoavelmente para que, no estágio seguinte fazer o “ajuste fino” (para revisoras: depois do copidesque e revisão). Na primeira vez eu passei as vinte páginas umas quatro vezes, esperando que haveria uma Preta, jovem, não-magra, com cabelos crespos, afinal, um avatar poderia ser uma vida virtual tal como somos. A expectativa vem de observar marcas que destoam da hegemonia: pessoas coloridas (inclusive brancas), diferentes idades, alturas. Apesar da frustração inicial, nesta segunda vez já pareceu mais fácil. Senti um “deja vu” de quando lançaram The Sims II e achei incrível passar horas montando meu avatar que, no fim das contas, não era montado com os atributos reais porque não havia.
 
O tipo geral
Voltando ao 360: Após escolher uma personagem geral, já estava sendo “critica literária” marxista e enxerguei que cada um dos avatares seria “quem pode comprar” a plataforma, e “quem pode se divertir”.  Tudo codificado: Idosos podem. Mulheres podem. Negras e Negros podem. Queer pode. Evangélica e Negra pode. Idoso e gordo pode. Crianças podem. Mas há um limite do que se pode, há bordas de plástico transparente e, o que está escrito nela é que há limites pra todo mundo, não só pra você. Hmm. Algo como “veja que até as opções de nerd-clássico-queimando-no-inferno são limitadas. Há descentramento, mas ele é localizado. Vejamos como, no segundo menu: “alterar características” onde selecionei “penteados”.
 
 
AJUSTE FINO: QUANTO AOS PENTEADOS…
 
Há uma diversidade de penteados que incluem texturas e cortes em quantidade menos satisfatória e com uns títulos carregados de sentidos “fantásticos” ¬¬’ :
 
 
“Alto com cacho à esquerda”

 

“Revolto”
“Rebelde”
Afro
“Tranças Afro”
“Clássico”
“Nós e ninhos”
Depois de escolher o penteado mais próximo dum black power, fiquei pensando na limitação de tamanho e forma. Muito bacana EXISTIR, mas assim…esse cabelo eu tinha seis meses após a transição. Não era bem isso que eu queria, ainda mais com essa costeletinha. O cabelo “alto” (?) nos dá um teto do que o cabelo pode ser, sutilmente. Ah, e olha o que temos:
 
Pode Star Wars!
 
Vou nem comentar o juízo de valor nos outros. 
 





OUTROS AJUSTES FINOS

Podemos escolher a tonalidade da pele, forma e cor dos olhos (nesse os nomes têm juízo moral), sobrancelhas. As sobrancelhas são bem diversas, inclusive encontrei a minha que é falhada (que nem da 355 rá! Temos também roupas, acessórios e… o momento que me trouxe de volta a tal crítica literária.
 

 

 
 
Ok, melhorou muito, muito mesmo desde a época em que acordei antes do despertador pra ser encanador, monstro, fuzileiro ou esguia-rica-branca-europeia. Sim, tá bem melhor. Só que “melhor” tá longe de ser o suficiente. Há um teto para a altura do cabelo e para a largura também, veja que selecionando o máximo e continuo sendo muito mais magra do que sou. Opa, olha que armadilha sintática (!).
 
Também o que não há: traços de deficiências do “corpo não-canônico” (tendo em vista que o corpo canônico tem deficiências sim). 
 
 
CONCLUSÃO
 
Fato que o inferno tá queimando forte a ponto de eu estar aqui formulando ideias sobre coisas muito presentes, mas muito antigas. Quando completei o meu avatar e fui jogar “Mortal Kombat” revivi a questão dos anos 90 descrita acima: ou era branca-esguia-jovem ou era a bruxa-velha-sensualizante (porque até os robôs são homens). Mas aí temos um dilema (apesar de bruxa ser fera) pra outro texto.
 
 
 
REFERENCIAS
 
[1] Aisha Tyler é uma atriz, apresentadora estadunidense; Além disso, é entusiasta e produtora de jogos independentes para videogames : Preta e Nerd! <3
[2] Elaine Showalter escreveu na década de 1980 um ensaio que tratava a crítica literária como um território selvagem (inóspito, árido) disputado pela crítica feminista e as outras. Esse território é hostil para qualquer analista, mas, sendo mulher, a hostilidade é bem maior, porque, né.
SHOWALTER, Elaine. A Crítica Feminista No Território Selvagem. In: HOLANDA, Heloísa Buarque de. (Org). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da Cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

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