DEADPOOL 2: (mais um) filme pra boy rir?
Confesso que assisti ao primeiro Deadpool apenas na semana passada, e, ainda, que esperava encontrar tudo o que fosse mais odioso no que se convenciona chamar de humor negro, mas não é. Apesar de inúmeras piadas desagradáveis, o filme me surpreendeu pela estrutura narrativa: gostei muito do modo como cada flashback se encaixa até gerar o efeito de profundidade psicológica de Wade Wilson. E quando digo “efeito”, a ideia é enfatizar que o filme perdeu a oportunidade de discutir questões como a pansexualidade do herói, bem como suas “emoções mais profundas” de forma convincente.
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Deadpool, Wade Wilson ou Ryan Reynolds |
HISTÓRIA
O final feliz do primeiro filme tornou o início do seguinte previsível: o par-romântico de Deadpool, Vanessa (Morena Baccarin), morre. Assim, cessa o clima Doce Novembro e voltamos a “filtrar a dor pelo prisma do humor” que se vangloria do fato de não ter limites.
Uma vez morta, Vanessa se tornou uma fonte de sabedoria para Wade (Ryan Raynolds), com pena de si mesmo e sem perspectivas. A tragédia abriu espaço para o retorno dos X-Men, especificamente, Colossus (Stefan Kapicic) e a adolescente Ellie Phimister (Brianna Hildebrand) e uma convocação que muda o rumo da história.
Durante a missão, Deadpool conheceu um jovem mutante que chamava a si mesmo de FireFist (Julian Dennison) e estava sendo perseguido pelo homem “fortemente armado” e do futuro, Cable (Josh Brolin). Com o objetivo de salvar o garoto, o protagonista montou sua equipe “multicultural” e “multiétnica” X-Force.
Em meio à interação com os colegas, e mesmo com Cable, o “herói” tomou consciência de sua “vocação” para o bem, contrariando as falas do cientista que o transformou em mutante: “Você é feio por dentro e por fora”.
CERCANDO A CRÍTICA
Deadpool 2 é uma espécie de clipe dos anos 2000 repleto de “feat.”, e referências, a tudo o que você possa imaginar da cultura pop em geral, só pra aumentar a audiência. Tudo isso é sustentado por uma crítica autoconsciente, que tanto repete “uau, que roteiro fraco”, quanto quebra a quarta parede, a barreira entre Marvel/ DC. O excesso de “piadas” transfóbicas, racistas e capacitistas tenta ser comparável ao “rir de sua própria condição privilegiada” representado por Ryan Reynolds e isso certamente tem um porquê.
Em tese (e isso está diluído no filme) desmistificar práticas racistas, inserir mensagens positivas sobre “aceitação” e “tolerância” são formas de manter as piadas desnecessárias na versão final e mostrar que tudo foi intencional, que sim, eles sabem muito bem o que significa “gênero fluido”.
A questão é que a estratégia usada para tentar legitimar o “humor branco” só paralisaria a crítica se acaso fossemos ingênuas a ponto de acreditar que fazer piada de “bigode de homem branco hétero” e também sobre “asiático com pau pequeno” (sic), por exemplo, são a mesma coisa. Essa contradição entre “explicar o que é racismo o tempo todo” e “ser racista o tempo todo” é uma das verdadeiras causas da legião de fãs do filme, que acredita na real (e quase incensurável) falta de limites do mercenário.
É como se, automaticamente, “ser louco” cancelasse tudo o que parecesse “nonsense”, naquela pegada do branco que se diz não racista e ainda justifica “eu votei no Obama”.
Desde o primeiro filme, Dopinder é o deslumbrado motorista |
PIADAS “ÉTNICAS”
Uma das primeiras cenas do filme já oferecem momentos de violência gráfica contra asiáticos, que não apenas são derrotados física como moralmente, quando Deadpool retoma o estereótipo racista de emasculação dos homens amarelos, que se completa com o personagem Dopinder (Karan Soni), “o grande amigo indiano taxista que ele paga com..sim, amizade”, reencenando o colonialismo ainda bastante aceito no “Ocidente”.
SURFANDO NO “POLITICAMENTE CORRETO”
É provável que uma parcela considerável dos fãs de Deadpool considerem o “politicamente correto” um obstáculo pra “liberdade de expressão”, de modo que um herói que destrói todas as barreiras éticas, estéticas e morais simboliza para eles uma vitória. O suposto equilíbrio entre explicar ao viajante do tempo o que é racismo, “o quanto ele está sendo racista”, e para a jovem lésbica que ela não é uma X-Men, porque a equipe é “mulher”, gera boas piadas, exceto pelo fato de que a sua “falta de limites” também reproduz lógicas sexistas como piada “o bebê será garoto ou garota, nada no meio”.
Míssil Adolescente Megassônico (Brianna Hildebrand) apresenta sua colega de X-Men, Yukio (Shioli Kutsuna) como namorada, tornando Deadpool 2 um marco em termos de representatividade LGBT nos filmes de super-gente. |
Zazie Beetz é Dominó <3 |