Anissa e a Namorada Descartável.

Black
Lightning
não é uma série que agradou gregos e troianos e tudo bem. Nenhuma
série tem obrigação de agradar a todo mundo e nenhum negro tem obrigação de
gostar de tudo que tem protagonismo negro, estamos finalmente caminhando para
um ponto da mídia onde uma produção com protagonismo negro não ser a oitava
maravilha não significa que não teremos mais protagonismo negro por outros 20
anos.

Por Camila Cerdeira

Eu
sou parte do grupo que gosta muito de Black Lightning, até por que eu gosto
bastante de todas as séries da DC na CW, esse é meu gosto de séries e sai muito
satisfeita da primeira temporada, o que você pode conferir minha opinião nas
reviews aqui. Entretanto um ponto pequeno até para o contexto da série me
incomodou muito.

Anissa
no segundo episódio parece com uma namorada negra. Elas têm uma cena não
sexualizada, mas que mostra que elas têm um relacionamento de um ano, que
Anissa é uma mulher lésbica assumida. E na cena também fica indícios que há
conflitos no casal. Eu acreditei que a série iria abordar esses conflitos ao
longo da temporada culminando nas duas terminando seu relacionamento dando
assim espaço para que Grace Choi, a namorada de Anissa dos Quadrinhos, entrasse
em cena.



Não
foi o que aconteceu, simplesmente um dia Anissa conheceu Grace, elas saíram para
dançar, a namorada apareceu elas tiveram uma briga no bar e fim de
relacionamento. Em episódios mais na frente a Lynn, mãe de Anissa, comenta que
ela sabia que a filha nunca tinha realmente amando aquela namorada. O que ficou
subentendido é que aquela namorada era um estepe, Anissa estava com ela por
comodismo.

E
isso é muito problemático, por que bate de frente com alguns pontos da solidão
da mulher negra. Comumente se aborda essas questões que envolvam apenas homens
e mulheres e como os homens preterem mulheres negras. Somos sempre postas na
posição da amante, da transa casual, do estepe para que o homem não fique
sozinho, mas quando ele quiser construir uma relação romântica mesmo ele vai
procurar mulheres não negras. E isso é uma construção social, faz parte do
racismo institucional e afeta também o pensamento da comunidade LGBT.



Como
mulher bissexual eu sofro constantemente esse preterimento vindo de outras
mulheres tanto negras quanto não negras. Eu não sou aquela pessoa que vai
chegar e falar que negros só devem se relacionar com negros, eu acredito que
devemos nos relacionar com quem amamos e sentimos tração tanto sexual quanto romântica.
Agora é curioso como algumas mulheres negras tenham interesse em outras
mulheres negras.
Eu
não acho errado a Anissa, que é uma personagem militante do movimento negro
dentro da série, terminar um namoro com uma mulher negra e provavelmente
engatar um relacionamento com a Grace Choi, uma mulher asiática, na próxima temporada.
Eu acho errado a forma como os roteiristas simplesmente decidiram tratar a
namorada como algo insignificante.

Eu
até agora não sei o nome da personagem e vi a temporada praticamente três vezes
para escrever os textos. Você pode escrever casais negros terminando separados,
desde que você faça com responsabilidade, desde que você mostre que a relação
terminou por problemas da relação e não por que um dos personagens negros só
não estava sendo digno do afeto e do amor do outro personagem.

Um pensamento em “Anissa e a Namorada Descartável.

  1. Primeiramente adorei seus apontamentos, ver essas coisas repetidamente em seriados é extremamente triste e cansativo . Mas a frase “devemos nos relacionar com quem amamos e sentimos tração tanto sexual quanto romântica” me chamou a atenção, uma vez que sabemos muito bem que a sociedade é capaz de condicionar por qual tipo corporal e psicológico, cada gênero sente atração sexual e romântica. Sabemos que o que determina a atração sexual e romântica é moldado por padrões inconscientes biológicos (marcas genéticas e hormonais explicitadas por proporções corporais), e sociais, como por exemplo algumas sociedades que existem ainda hoje onde engordam mulheres para que sejam consideradas atraentes, como na Mauritânia, ou seja, nessas sociedades homens não são capazes de se excitarem ou amarem à uma mulher magra, exatamente o oposto do nosso. E quem ousaria dizer que aquele amor puro daqueles homens é construído socialmente?

    Ou seja, a sociedade consegue moldar por quem nos apaixonamos e por quem nos atraímos. Vale lembrar que: não basta somente aprender a gostar de pele marrom, mas também a desconsiderar a masculinidade associada à mulher negra e à hiperfeminidade ao corpo da mulher loira, à falta de racionalidade, à agressividade, à forte sexualidade, à incapacidade de liderança, ao primitivo, à pobreza, à subserviência, à promiscuidade, a feitichização relegada à mulher negra a ao corpo da mesma, tem que aprender a gostar de cachos, a crespos sem definição, à pele negra escura etc.. Como já sabemos, estes não são assuntos de conhecimento comum, embora ironicamente extremamente naturalizados, são coisas as quais precisamos estudar as origens e reescrever circuitos neuronais que fazem essas associações serem automáticas em nosso cérebro.

    Afinal não é explicando pra um cara que padrões de beleza são socialmente construídos e que tem lugares onde garotas magras são nojentas e gordas são sexies que ele não vai no mesmo dia, nem na semana seguinte, nem nos meses que se seguem, mudar isso a não ser que ele se esforce para tal, e quando conseguir, não vai magicamente se livrar de ouras associações comuns a gordas como, à preguiça, à gula, à sujeira, à comportamento desajeitado, etc. Ou seja, ao final desse processo este cara vai achar gordas gostosas, mas ainda vai ter a associação intuitiva de que gordas são gordas porque comem de mais, e porque são preguiçosas e indisciplinadas.

    A questão é que é virtualmente impossível afirmar que o nosso relacionamento inter-racial surgiu de um genuíno e romantizado sentimento de amor, sem influência nenhuma de estereótipos sociais tóxicos e danosos gravados a ferro e fogo pela repetição contínua e naturalizada por nossa sociedade racista. Dizer que devemos nos relacionar com quem amamos e sentimos tração tanto sexual quanto romântica, é perigoso já que ignora o contexto social em que estamos inseridos, onde mulheres negras são masculinizadas e sexualizadas; homens brancos são desejados porem nem todos não aprenderam a achar a gorda, leia-se negra, atraente, e então continuam amando majoritariamente brancas; homens negros são hipersexualizados e hipermasculinizados, e mulheres brancas são hiperfemininas e atraentes. Essa frase só faria sentido numa sociedade onde todos se esforçaram para destruir esses estereótipos seculares, pois se não somente permitimos o colorismo e racismo permearem nossa afetividade de maneira destrutiva, permitir ver racismos em relações amorosas como já estou cansada de ver pessoalmente com amigos e familiares.

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