The Acolyte (2024) | Primeiras ideias antes de propor uma análise

A atuação de Amandla Stenberg, de cara, está sensacional

 

Longe de mim querer espaço na mesa da
opressão, mas não vou fingir que me sentir parte de
Star Wars, finalmente, não me engajou
um pouquinho”

 

Por Anne Quiangala

Embora a minha orientação
política me direcione a uma teoria-prática comprometida com o coletivo, também pertenço
a essa cultura literária que tem como auge formal o gênero romance e toda a sua
respectiva parafernália: jornada do herói, vilões e belicismo. Há algum tempo,
entendi que a jornada do herói tradicional, de um Anakin ou Luke não me interessava
mesmo, e não porque sou incapaz de me identificar com o que difere de
mim, mas porque narrativas de Anakins e Lukes são tudo o que a gente tem desde
muito tempo. E, quando muito, uma Leia.

Em algum momento, surgiu uma novíssima
esperança (para alguns) a partir da presença de um rapaz negro que poderia ter
uma surpreendente jornada de stormtrooper a jedi, o Finn, mas não. E uma moça
branca que “não era filha de ninguém” inauguraria uma nova “eur’a” pra além do sangue,
a Rey, mas também não. Nem vou enumerar a presença de pessoas que ocorrem de
serem mulheres e Negras naquele universo, porque é literalmente fatal: elas são
humanas de vidas breves, CGIs ou subjetividades codificadas como droids ou
aliens, sem grande relevância. O que significa que a minha presença naquele
universo só tem relevância como presença ausente, alívio cómico ou um fraco
devir.

Se o que disse não fez sentido
pra você, eis a diferença: homens negros e mulheres brancas tiveram uma
esperança que eu, sinceramente, nunca tive até Ahsoka…, mas bem, você sabe, ela
é uma togruta de pele laranja. É verdade que sua trajetória em Clone
Wars
codifica a experiência de uma jovem Negra, mas ela não é humana.

Então, parece um tanto óbvio
que eu estive muito empolgada com o anúncio de The Acolyte,
especialmente, porque a protagonista ser interpretada pela Amandla Stenberg –
sabe a Rue de Jogos Vorazes? –  significa
muito.

Por mais que não faça sentido
narrativo, há vidas cujas sobrevivências não são pressupostas, e não tem outro
modo de começarmos uma conversa sobre a série: existe uma diferença de poder
evidente que precede o roteiro e a fotografia. Não é uma conversa sobre “qualidade”.
E sim, tem o histórico conservadorismo da Disney e teve o J.J. Abrams
derrubando “a gente” de duas franquias de sucesso com seus desvios intencionais,
e tem o maniqueísmo (agora) obsoleto entre jedi e sith, mas finalmente temos
uma mulher – branca, é verdade – queer dirigindo, escrevendo e
produzindo. Ou seja, independente do caminho que a série vai tomar, é um
momento crucial para 1) considerar que qualquer falha dela NÃO é a mesma coisa
que as falhas consecutivas de Abrams e 2) fãs de Star Wars “Reys e Finns” do
mundo real refletirem por si sobre sua própria identidade e senso de pertencimento,
antes de expressar seu não gostar “bem fundamentado” ou elaborar as suas
críticas sobre a série em si.

Dito isso, The Acolyte é
uma janela em mais de trinta anos de experimentação de uma mesma estrutura e
ponto de vista, então se você é minimamente progressista faz sentido observar
que o uso de qualquer parâmetro construído pela longeva franquia para definir a
qualidade da série – sobretudo em sua primeira semana – ignora fortemente
o conceito de equidade. Igualdade no julgamento, neste caso, apenas perpetua a
desigualdade e essa coincidência com opiniões de seus opositores também, contribui
para o desaparecimento de todo mundo que não entrar na forma do “menino Ani”. E
talvez, não é que a série seja ruim, pode ser que você só não consiga se
identificar com protagonistas mulheres ou enredos possíveis para mulheres
pretas. É até bem simples.

É curioso como todo território
onde pomos os pés, de repente é a morte do gênero, ou é muito ruim. Pra certo
grupo social, o horror acabou, e, já na primeira semana de The Acolyte,
há quem diga que Star Wars-Star Wars acabou. Não consigo ver essa ideia
de modificações substanciais – que não vão acontecer – piorarem uma franquia
repetitiva. Por que, quando outras presenças surgem, de repente, tornam essa
repetição desinteressante?

É muito fácil culpar o fandom
trandicional, mas, pelo visto, temos muito trabalho por fazer no campo da dissidência.

Afinal, não existem muitos
enredos disponíveis para heroínas Negras – e, sobretudo, Pretas – na estrutura
de narrativas épicas e imperialistas no território mainstream. Então não
tem mesmo como conversarmos sobre The Acolyte sem que os Finns e as Reys
que se identificam como pessoas aliadas, entendam e reconheçam a importância de
usarem suas vozes que abrem algumas portas, de forma progressista.

E, por mais que Ahsoka
tenha sido decepcionante em alguns pontos até pra mim – e The Acolyte
provavelmente não cairá longe do pé: vamos lá, estamos falando de Star Wars
– ainda não justifica que a gente tenha que ser jogada de fora até por vocês,
né Brutus?

Fim do prólogo.

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